A menina cresceu.
Cresceu sua saia.
Saiu a brincadeira de roda.
Mas não a vontade de rodar.
Lembrava de quando brincava assim. Livremente. No começo, devagar. Depois, sob uma velocidade que aumentava até fazer seus braços abertos sumirem – refletindo a mistura de todas as cores, da sua cor que se esvaia à medida que acelerava.
Lembrava das reprimendas que ia surgindo.
Você vai ficar tonta.
Cuidado para não cair.
Mas era justamente isso que buscava.
Quando já não suportava manter-se de pé, deixava-se cair no chão. Corpo amolecido.
Entorpecido.
Fechava os olhos e sentia o mundo circular.
Desafiava o mundo.
Sabia que dali a instantes ele estaria estático de novo.
Redondo. Mas devagar, quase parando.
Ela, ela tinha urgências.
A menina cresceu.
Já não tinha outras mãos para brincar de ciranda.
Já estava longe a infância.
Mas por dentro ela continuava menina. E com pressa.
Podia simplesmente girar.
Como era menina, precisava de um brinquedo.
Buscando na memória, encontrou-se rodopiando e sendo rodopiada por um aro plástico.
Alimentou o desejo de ter um.
Mas como não era mais menina, sentiu vergonha do intento.
Imaginou-se carregando o objeto pelas ruas – entre a loja e sua casa – onde finalmente poderia recobrar a liberdade.
Não suportou a imagem.
Todos saberiam que era para ela. Que ela queria, a despeito de ser mulher, brincar feito criança.
Onde já se viu?
Compartilhou a aspiração com os mais próximos.
Onde já se viu?
Perguntaram.
E de repente, ela já não queria saber onde.
Não queria respostas e nem faria perguntas.
Não aceitaria amarras.
E decidiu.
Como a provar que estava certa em prosseguir, encontrou um tipo que nunca tinha visto antes. Desmontável. De encaixe.
Em partes e encaixotado. Com ele assim, poderia chegar em casa em segurança.
Ninguém sequer suspeitaria o que carregava na sacola.
E a sacola carregava mais do que um objeto.
Ela sabia.
A partir daquele dia a mulher vira menina e vira mulher que vira menina.
Sua alma apenas gira.
Por horas.
Sem que caia.
Giram a menina e sua saia.
Saiu o medo.
Entrou a brincadeira de rodar.
Ela tem um bambolê.