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O SUSTO

A moça se assustou.

Era mulher.

Feminina.

Sexo feminino.

Questão de gênero.

A moça se assustou porque de repente tomara consciência disso.

E da pior forma.

Como a má noticia transmitida em telefonema de madrugada.

A moça era açoitada pela sua realidade a cada passo, a cada gesto, a cada decisão, a cada atitude, a cada respiração. Era mesmo porque existia que se assustava assim.

A moça se assustava com as palavras do delegado.

A moça se assustava com as notícias do jornal – davam conta do número de mulheres assassinadas. Davam conta do padrasto que estuprou a enteada para se vingar da mãe da menina.

E gritava isso enquanto consumava o ato e consumia vidas que ficariam vivas, no entanto, considerando-se que haviam partido ali mesmo enquanto ele consumava e consumia.

A moça se assustava com as palavras e promessas de amor – concluíra que eram estratégias de manipulação. Como ademais, todas as mentiras.

A moça se assustava com o silêncio.

A moça se assustava com estar dentro de casa ou estar na rua.

Não se sentia segura, ela.

Não devia mesmo. O mundo estava mudado. Esses eram outros tempos.

Em que as moças e ela mesma ousaram pensar que eram novos e melhores.

Eram outros. Porém tão antigos quanto os outros. Pareciam mesmo piores.

A moça contabilizava perdas. E esperava que o tempo passasse para que entendesse que, na verdade, em muitos casos, eram ganhos.

Ganhos dela mesma.

Deixava de ser usurpada e abocanhada no que tinha de melhor.

Deixava por decisão mesma dos usurpadores – decerto cansados de sua lida.

Decerto cansados de tanta malevolência, de tanto engodo, de tanto enredo, de tanta artimanha, de tanta feldade.

Benditos os que se cansavam de sua luta e largavam a moça acusando-a de tantas coisas.

O passar do tempo a aliviava.

O passar do tempo limpava seus caminhos.

E faziam com que enxergasse melhor. Mesmo que nunca nitidamente por completo.

Porque as lentes da moça tinham algo que insistiam que ela devia se manter incólume e imune a algumas verdades que ela apenas parecia intuir ou farejar de longe.

Diariamente era como se banhasse em águas caudalosas. Salgadas. Com poder de cura.

Diariamente se limpava.

Diariamente afunilava-se em si porque menos povoada.

A moça gostava desses rumos.

Acreditava na vida.

Como o menino do morro do São Carlos.

Por vezes queria desistir de tudo e de todos.

Achava até que consolidava essa decisão.

De uma forma em que não morria, como podia parecer óbvio.

Ao contrário, renascia.

Ao contrário, se refazia.

Ao contrário, entendia tanta coisa.

E se desentendia.

Mas seguia.

Porque na estrada que a moça tomara o único rumo era esse.

Continuar.

Sem saber bem onde ia dar.

Não era isso o importante.

Porque como dizia seu poeta preferido...

O importante não era a viagem.

O importante, para a moça, era a paisagem.


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