Do ângulo em que estou ouço e vejo o movimento.
O meu papel, enquanto sentada, se resume a batucar no teclado do computador.
Escrevo.
Do lado esquerdo, a porta entreaberta me deixa ver quatro mulheres, entre as quais, duas crianças.
As menores sentadas lado a lado, beliscam da comida que está no prato que seguram no colo.
A adolescente, na rede, intercala a lida com o celular, um livro e uma flauta transversa.
A mais velha, anfitriã, toca a flauta. Enquanto ensina. E enquanto prende a atenção da plateia minúscula.
Mais adiante, vejo um lindo céu. Entre nós, uma parede de vidro.
É da sua transparência que a vida lá fora se descortina para mim, cá dentro.
O azul pintado de brancas nuvens transmite a paz que tenho buscado.
A piscina reflete a luz do sol, ainda que a tarde esteja se encaminhando para o final.
Os homens cuidam do churrasco, da fala alta, da leitura do jornal.
O mamoeiro carregado alimenta os pássaros.
Outros preferem os coquinhos da palmeira.
As ervas, se eriçadas pelo vento, soltam um cheiro que corta o ambiente, fazendo sua limpeza natural.
A música parou.
As conversas variam e se entrecortam.
Chegou a hora da sobremesa e a criançada investe no bolo com sorvete.
Da brasa ainda vão sair abacaxi e banana banhados em canela e açúcar mascavo.
Os corpos vão reclamando da cerveja e aos poucos todo mundo vai se ajeitando nas cadeiras, nas cangas, na rede.
Essa casa é de coletividades. Todas as mãos participam dos preparos da comida. Todas as mãos lavam as louças. Todas as mães cuidam de todas as crianças.
Aqui mais do que de comida, nos servimos de amizade.
Se volto o olhar ao ambiente interno, encontro uma decoração marcante, de artefatos indígenas e outras belezas.
Cestarias. Cerâmicas. Tecelagens. Totens. Máscaras.
Frutas exalando seu olor.
Instrumentos musicais.
Fotografias.
Tudo ali tem uma razão.
Nada ali é aleatório.
Há flores sobre a mesa, colhidas no quintal.
É nelas que me detenho.
Olho tudo com atenção e carinho.
Lembro-me da primeira visita.
O encanto de turista – embevecida. Surpreendida.
Busco novamente aquela sensação.
Acostumar-se é a pior coisa.
Bom é sentir as lufadas de novidade entrando por corpo e alma.
Bom é refrescar o de sempre com o olhar renovado.
Bom é estar por ali em mais um dia de domingo.