Mulher, onde você guarda sua raiva?
Eu parei - surpresa.
E descobri não ter resposta.
Para ela era difícil entender minha calmaria, minha disposição para considerar o outro lado, para perdoar, para ponderar. Minha fala mansa. A suposta incapacidade de guardar mágoa.
Da área da saúde mental ela acredita que isso não seja tão inofensivo assim. Que para oferecer ao mundo essa aura zen, o preço que eu pago é alto.
Mesmo que eu não saiba quanto.
Mesmo que esteja embutido em outros custos. Venda casada. Fraude.
Pudesse, levaria o caso ao Procon.
Propaganda enganosa.
Para mim também é difícil saber-me assim.
Numas vezes queria mesmo era explodir. Gritar verdades. Bater na cara. Atirar para o alto. Esculhambar. Mandar se foder.
Mas não tenho outro comportamento a oferecer.
Outro tom de voz.
Outra reação.
E nem uma resposta formulada e consciente para dar ao questionamento dela.
Mas a pergunta era aguda. Traspassou-me. Feriu-me de morte.
Agora também queria aquela resposta.
Podia ser a solução. Podia mudar tudo. Podia me transformar em quem talvez eu seja. Revelar-me.
Fiquei pensando.
Onde eu guardo minha raiva?
De repente, algo em meu corpo se antecipou e me mostrou o lugar - onde eu guardava minha raiva e tantos outros sentimentos e sensações que eu não conseguia exprimir de outras formas.
- Nos ombros.
Respondi.
E ela assentiu.
Pareceu verossímil e plausível.
Parecia que ela já desconfiava.
Não sei se fez aquela expressão de “eu sabia”. Sei que considerou aquele lugar com gravidade.
E não concordou com que ele existisse.
Eu precisava com urgência ressignificar minhas dores – tirá-las do corpo. Expressá-las da forma e no tempo corretos.
Não fazê-lo tinha custo alto. Ela nem sabia valorar.
Enquanto não encontrávamos o caminho ideal a seguir, eu observava.
Qualquer coisa que acontece comigo e me desestabiliza de alguma maneira, se transforma instantaneamente em nós, dores e queimação nos ombros.
Outrora leves, eles imediatamente viram halterofilistas. Seguram mas não suportam.
De repente, tudo desaba. Ombros, corpo, eu inteira.
Eu estilhaçada.
Eu partida.
Eu toda ombros.
Eu carregando o mundo literalmente nas costas.
“É... você é assim mesmo. Mais acumula do que bota para fora”.
Isso não foi ela. Foi ele.
E me mandou fazer uma arte marcial.
Gritar. Dar golpes. Gesticular.
Gostei da ideia.
Fiquei me imaginando.
Um Ippon Seoi Nague seria ideal.
E tudo estaria arremessado por sobre os ombros.
E pronto.
Ippon para mim!
Atlas na fachada do Palácio de Linderhof, Alemanha