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AMOR QUE VAI E VEM

Quando éramos crianças, lá no Alto do Bodocongó, na casa que chamávamos Morrão e agora convencionou-se chamá-la Quilombo dos Barbosa, brincávamos ao ar livre, explorando aquele ‘terreno’ que, na época, era grande a perder de vista.

Fazíamos fogos, cozinhávamos feijão na lata de leite, subíamos em pé de goiaba e de manga, tomávamos banho de chuva. Nosso avô, Cassimiro, era vivo e, a despeito de morar na cidade, continuava sendo o homem da roça que houvera sido.

Ele aproveitava aquela terra fértil para plantar mandioca, milho e feijão. O acompanhávamos na feitura dos leirões, no plantio das sementes, na colheita, no preparo da goma para os bolos que mamãe fazia.

Os meninos mais velhos descobriam outros fazeres e, servindo-se de sua liberdade de meninos mais velhos, desbravavam os arredores e o modo de vida da parca vizinhança. Além de nossos dois únicos vizinhos, pessoas de posse, aqui e ali havia um barraco de gente simples e era dali que vinham os principais aprendizados e as maiores aventuras dos meninos mais velhos.

O balançar da rede no terraço e o tirar bichinhos da toca para explorá-los também era passatempo predileto. Naquele tempo, sapos, caranguejeiras, cobras e outras criaturas recém-perturbadas no seu habitat pela construção de nossas quatro paredes, nos serviam de museu vivo de ciência.

Para nós não era pouco. E bastava. Apesar do espaço comportar, não havia anuência de mamãe e nem recursos na família, para a construção de uma piscina ou de outros agrados infantis.

A maior parte das crianças que vieram depois, os netos, não se entregaram a esses encantos naturais. E não houve outros encantos por décadas. Até que nasceu e cresceu minha filha.

Senti falta de algo com que ela pudesse brincar. Fiz muitos planos de playgrounds sofisticados. A execução, no entanto, só me permitiu a instalação de um balanço.

Procuramos algum galho bom de árvore, mas Lourdes (ou Lurde lavadeira), nossa fiel escudeira há muitos anos, não liberou nenhum. Julgou todos inseguros. A menina podia cair.

Escolhemos então uma viga do nosso famoso terraço. E o balanço ali colocado fez a alegria não só da minha filhota, mas de outros pequenos e, quem diria, dos adultos, certamente maculados pela ausência de uma vida toda sem um balanço por ali.

A inovação apesar de simplória fez uma grande diferença e concentrou nossas presenças nos seus arredores durante aquela minha estada. Pouco depois, muitos argumentos surgiram para justificar sua retirada e, sem piquete que garantisse uma luta em contrário, o objeto saiu de cena e hoje não se sabe de seu paradeiro.

A instalação de um balanço é ato de resistência e ocupação. Uma amiga, contrariando os conselheiros que falaram dos perigos que o artefato podia apresentar, inclusive o de atrair gatunos, instalou alguns na área verde pública na frente de sua casa. Até agora estão lá. Dando impulso a um sem número de pequenos e nos permitindo ouvir seus gritos, risadas e o indefectível pedido de: mais forte.

Já na quadra onde moro, perto do meu bloco, instalaram um balanço. Ainda não fui conhecê-lo ao vivo. Mas tenho reparado no movimento que despertou. Continua lá. Parece não ter sido roubado ou condenado por vizinhos que não quisessem ouvir gritos, risadas e o indefectível pedido de: mais forte.

Admirei ainda mais aquele balanço e a atitude de quem o pôs, quando reparei na singela placa que explicava os motivos de estar ali, enfeitada com um coração vermelho: Mais amor, por favor.

Conclui que a instalação de um balanço, além de ser ato de resistência e ocupação, é amoroso. Amor que vai e vem – como na vida.

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