Ela reclama da solidão a dois.
Não que viva isso porque gosta mesmo é de cara a cara, carne a carne, tesão, sexo onde tiver de ser, muita conversa e cumplicidade.
Mas observa que, por ironia, os casais se transformaram em serem autômatos e autônomos quando estão lado a lado.
Em contrapartida, pelas redes sociais, alardeiam ter uma relação supostamente perfeita e muito íntima.
Como robôs, os casais experimentam vidas paralelas e se relacionam mesmo é com seus aparelhos eletrônicos ou, que tristeza, com quem acionam por meio deles para efetivar um triângulo amoroso feito de gente, máquina e alguém que não sabe de nada.
Poucos casais perfeitos do celular para fora sobreviveriam incólumes a uma varredura celular adentro.
Melhor nem procurar, melhor nem saber – muita gente se vale do argumento. Mas às vezes, sem que se procure, as informações parecem ter vida própria, não gostar de segredos ou mentiras e, simplesmente, dão um jeito de chegar a quem de interesse, como assim, para abrir-lhe os olhos.
E é um tal de estou casado mas continuo querendo você. E coisa parecida ou pior.
Ela balança a cabeça de um lado para o outro em sinal de incredulidade. Não entende que povo é esse que vive no silêncio.
Ela prefere os gritos. De prazer.
Prefere a parceria.
Ouvir o outro e sentir suas alegrias e tristezas – isso gera empatia. Coloca todo mundo no mesmo patamar. O de gente. Falível. Sujeito a alterações de humor, sem que o amor seja abalado.
Ela sim, é parceira. Amiga. Adora conversar. Estar junto para olhar nos olhos, ouvir música, sair pelo mundo, mãos dadas, para o que der e vier.
Sem paredes imaginárias separando. Sem muros quase concretos oprimindo. Sem silêncios aturdindo. Sem precipícios. Sem desconhecimento. Sem geladeira. Sem geleira.
Não gosta disso. Para ela é tudo ou nada. A temperatura ideal é a muito quente. Com suores e tremores de recompensa.
Mesmo antes de o aparelho telefônico se transformar no vilão dos relacionamentos, Cazuza já tinha percebido e cantado: Solidão a dois de dia, faz calor depois faz frio.
Ela concordava. Mas não entendia.
Achava que ninguém deveria segurar essa onda. Ela mesma já tinha decidido. Nunca ia aceitar tal situação na vida.
Algo terrível isso.
A ser evitado como as guerras químicas.
Usaria máscaras, mas não seria contaminada.
Aliás, tiraria todas as máscaras. Desnuda para desnudar. Entregue para receber.
Uma mulher real, que gosta do cheiro do homem regado a um bom papo real!
Mas se um dia chegasse ao ponto de se ver enredada no conflito silencioso da solidão a dois, ia queria ter uma bomba, um flit paralisante qualquer, pra poder se negar bem no último instante.