Deitada na cama teve um susto.
Seria aquele cheiro real ou imaginário?
Para se certificar, enfiou o nariz no travesseiro.
Era real. Estava lá.
O coração já tão triste enfiou-se junto. Apertado e diminuído para poder entrar ali.
Daquele lugar, reviveu tanta coisa.
Da primeira vez em que se deitaram. De quando o perfume se recostou e de quantas voltou a se recostar até o dia do fim.
Não havia muito tempo entre a primeira e a última.
Mas havia uma história que parecia infinita.
Infinita era a promessa.
E de tão forte e intensa pode ser que seja esse o tempo que dure, mesmo que finda.
Com as cabeças naquele travesseiro se amaram, dormiram, acordaram, se olharam, se beijaram, fizeram juras, instalaram silêncios.
Apoiaram-se nele para ajustar os corpos na hora do sexo.
Incrível como um travesseiro podia ser parte daquela história – como testemunha, como personagem, como açoite, agora que só restava o cheiro nele incrustado.
Sentia saudade.
Condenava o sentimento.
Isso também era traição. Tantas juras. Tanto sorriso. Tanto estar junto.
E agora?
E agora o que fazer com o estrago, com as lágrimas, a raiva?
A coisa aconteceu de tal jeito que não restara espaço para mais nada. Nenhuma reconciliação. Nenhum encontro. Amizade jamais.
A coisa aconteceu de tal jeito que entre tudo o que foi vivido e o que se planejou viver e no meio da verdade que pudesse haver (já que esse tudo se mostrou tão fugidio e ilusório e falso mesmo), restaram apenas resquícios.
Em forma de palavras.
Inconsequentes. Desrespeitosas. Feias.
Que feriram. Dilaceraram. Fatiaram. Derramaram sangue. Mataram.
Amedrontaram.
Puta merda. De novo isso.
De novo ter que suplantar tanta coisa só para seguir em frente suplantando tanta coisa.
Pensou que já superara, pulado de fase, avançado.
Mas como era difícil avançar nessas coisas.
Voltar casas. Sempre voltar as casas. Sempre voltar para casa e senti-la cheia de silêncio, de ausência, de apelos. Cheia de enganos.