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NO CAMINHO HAVIA UMA QUEDA

Ela me telefonou.

Começou falando amenidades.

Mas a razão do contato era outra.

Ela caiu.

Queria me contar.

Caiu do nada.

Sobreviveu para contar a história.

Mas não tinha história para contar.

Não sabia se tinha tropeçado em algo ou se simplesmente desfalecera.

Não havia um antes e um depois. Talvez nem o durante.

Só o fato em si.

Estava machucada.

Mão cortada.

Calça rasgada.

Joelho ralado.

O mundo tem quedas históricas. A queda da Bastilha. A queda do Império Romano. A queda do Muro de Berlim.

A dela não tinha glamour. Não mudara os desígnios das nações.

A dela era uma quedinha assim, de nada, frente a tantas outras suntuosas.

A dela tinha sido em calçada de pedra, no caminho entre casa e trabalho, no meio da rotina de uma cidade, Brasília.

Não mudaria nada aquela queda, sequer sua vida. Exceto pelo fato de precisar de algum medicamento antisséptico ou cicatrizante. E ter perdido uma calça no estoque do guarda-roupas.

Fisicamente, tudo bem. Estava praticamente resolvido. Agora era seguir com aquele acontecimento na sua linha do tempo.

Mas havia uma subjetividade gritando para vir à tona.

Queria aquela queda dizer algo?

O lugar em que aconteceu – deveria evitá-lo?

Isso seria um tanto desgastante. Em todos os estudos de caminhos a tomar, aquele era o que concentrava mais pontos positivos, considerando variáveis como distância, rapidez e mobilidade.

Haveria algo nas entrelinhas daquele incidente pedindo para ser ouvido?

Ano passado foi por ali mesmo que quase perdera a vida num quase atropelamento.

Será que existe isso – almas penadas ou energias truncadas tentando mandar avisos de que nossa presença não condiz com determinados locais?

Ameaças veladas, o famoso "susto", tentando emitir um sinal de que o que está ruim pode piorar?

Não tínhamos a resposta – mas nos deixamos invadir pelas divagações.

Eu, por minha vez, sempre ligo as quedas – as minhas e de terceiros – ao nosso contexto de vida terrena mesmo.

O que estávamos pensando no momento?

Será que aquela parada forçada não nos indica a forçar um stop em algo em que inutilmente temos insistido em fazer continuar – mesmo que em pensamento?

No que você estava pensando? Perguntei.

Disso ela sabia.

E considerou que a minha teoria fazia sentido.

O pensamento era o mesmo que assolava sua mente nos últimos tempos.

Ia se esforçar em largá-lo. Deixá-lo ir, como pregam algumas técnicas de meditação.

Águas passadas não movem moinhos.

Se havia pedras no meio do caminho, seriam contornadas. Não a derrubariam mais.

Quanto à rota – ainda não tinha certeza se valia a pena alterá-la.

Talvez pagasse para ver.

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