Foi minha tia Zita quem fez a apresentação.
A matéria-prima viajou do Maranhão à Paraíba e sob o seu preparo virou um delicioso prato regional.
Sururu.
Não sei se gostei de primeira. Mas com o aval da minha irmã Vitória, abri meu coração – e paladar – para a iguaria.
Até aquela textura final, lembrando areia, tinha seu charme.
Não era coisa fácil em nossas paragens. Por isso, a cada viagem tia Zita nos reabastecia.
Mais do que pelos camarões enormes que ela e seu marido, Waldenor, nos traziam, era pelo sururu que aguardávamos saudosos.
Mamãe congelava as porções e, quando a irmã partia, ela mesma assumia o preparo.
Era coisa para os domingos. E era para Vitória. Aos demais, restava negociar um naco.
Meus encontros com tia Zita foram rareando, assim como a oportunidade de comer o molusco.
Em recente viagem a São Luís, depois de passear por lojas de artesanato em ruas históricas, de rever a azulejaria portuguesa, de lamentar pela má conservação dos prédios tombados, não resisti e parei no mercado.
Na primeira barraca com a qual simpatizei e, já sentada, perguntei: Tem ensopado de sururu?
Estava orgulhosa pela familiaridade demonstrada. E achava graça da cara de incrédulo do meu parceiro de trabalho por me ver íntima de algo que ele desconhecia até ali.
Meu encanto foi quebrado, no entanto, por aquela resposta eu não esperava.
- Tem não.
Em face de minha desolação ou porque é Nordeste e em tudo se dá um jeito ou porque é Brasil e nada é impossível, a moça respondeu: Mas posso preparar.
Meus olhos devem ter brilhado.
A espera pareceu não ter fim. Mas eu já não tinha pressa. Nem certeza se ainda havia alguém lembrado do meu pedido na cozinha.
O mercado, por ele só, já me saciava.
Daquele jeito simples, de feira.
Daquela gente preta, de trabalho.
Daqueles rostos encarquilhados, de velhice.
Das mãos que tratavam o peixe.
Dos estabelecimentos onde podia se comprar de tudo.
De cores e iguarias, coisas do Maranhão.
Presa a tantas imagens, fui surpreendida enfim, pela sua chegada.
Meu ensopado de sururu.
Fumaçando.
Pintado de folhas verdes.
Cheirando a leite de coco.
Com tempero melhor do que o de tia Zita. Do que o de mamãe. Porque tinha toda aquela história. E toda aquela espera.
Eu já poderia parar ali. Comê-lo apenas com os olhos.
Com orgulho da pessoa que me atendeu. Mulher porreta.
Deu seu jeito. Para ela, certamente, não não era resposta.
Ossos do ofício? Para mim, muito mais que obrigação. Era disposição e disponibilidade.
Com o sim, ela ganhou R$12.
Com o sim, eu ganhei prazeres.
O meu desejo se realizava por mãos de fada.
E fui feliz para sempre.