Será que conseguimos driblar o destino?
Sempre me pergunto isso no Carnaval.
Tenho medo da festa. Tenho medo de não voltar.
Até cunhei a frase: Não quero morrer de Carnaval.
Fico sempre chocada com as notícias de jornal no pós-evento.
Vem a certeza de que a Quarta-feira de Cinzas mais do que dia de ressaca e de alegria para quem ainda tenta se agarrar a resquícios de folia é, para muitas famílias, tempo de dor, de cemitério, de hospital, de tristeza, de ausência e de saudade.
Dá vontade de fazer a chamada: Você está aí? Você pessoa da minha família, da minha convivência, do meu amor.
Mas é egoísmo pensar só nos meus. E penso em todos. Queria que todos voltassem do Carnaval com boas e divertidas histórias. Daquelas só vividas e esperadas nesse tempo de alforria, de libertação, de fantasias e fantasiados.
Costumo dizer que só vivi, com a intensidade inerente à festa de Momo, três vezes. Duas em Salvador. Uma em Olinda. Adaptei-me bem ao estilo. Como me adapto bem à calmaria que vivi nos demais – fosse por opção ou por falta dela.
Esse ano, em Brasília, saí todos os dias. Muita coisa, né? Mas frequentei bloquinhos infantis, cercada de crianças e amigos com seus rebentos. Bons encontros. Nenhum percalço desses típicos – como ter o celular furtado.
Um Carnaval do meu tamanho. Não saí do meu reduto asanortista. Os blocos bateram na minha porta e abri. Isso foi cômodo e me deu a sensação da qual precisava – de estar vivendo de acordo com a bombástica festa nacional e, o melhor, de acordo com a minha capacidade de lidar com ela.
Um dado importante para a forma como me comportei a despeito de querer muito estar isolada, num mato qualquer, com um livro na mão e, quem sabe, uma cerveja: eu não estava sozinha. Estava com minha filha, Morena.
As mães que cuidam sozinhas dos seus filhos não podem esmorecer. No Carnaval, então, nem pensar. Devem estar a postos. Demonstrar alegria, animação e levar os filhos para a rua.
Essa missão, devo confessar, nem sempre foi tranquila. A filhota tirou e botou fantasias e maquiagens. Reclamou. Pediu spray de espuma e brinquedos brilhantes e descartáveis. Saiu em muitas fotos com a cara de tristeza que queria exibir para dizer que não estava satisfeita, que estava cansada, que queria um picolé.
Mas acho que tudo está no pacote. As crianças, como os adultos, têm seus momentos em que o sapato aperta. Resta-nos o acolhimento, a paciência, o perdão. Coisas que sabe lá o que é não ter e ter que ter para dar.
Da minha parte, de adulta, vivi desafios internos, dores de amor e desamor. Confrontos comigo mesma. Saí maior do Carnaval. Isso deve ter um lado bom.
Do restrito ângulo em que vi a festa, ela estava bonita. As crianças ocuparam a cidade, os pais tiveram espaços perfeitos para isso e tudo estava colorido e vibrante.
Sobretudo para os lados daquela dupla. O Palhaço Melequinha e sua pupila. Elegantes, discretos e marcantes, como se nem imaginassem a força de um palhaço (imagina de dois), se fizeram onipresentes Brasília afora. Saíram nos jornais e estão nas câmeras de muitos anônimos.
Doaram sua presença a todos nós. Cuidaram das crianças com carinho e essas coisas todas de clown, imbuídos da missão de fazer sorrir.
Uma espécie de militância de algo que não sei o quê. Ser eles mesmos?
Compartilhar amor? O amor que sentem um pelo outro espalhado em brincadeiras pueris como o espirro de água da flor na lapela ou da gravata de bolinhas?
Entendi não ser preciso muito para fazer diferença. E que se fantasiar no Carnaval não por si ou para si, mas para o outro é algo que precisa de muito desprendimento. Foi o que senti irradiar dos dois.
Quando tudo parecia ter acabado, eles inda estavam lá.
Naquele último dia, os vi subindo a Tesourinha. Lá atrás, ladeira acima, seguidos, como que escoltados, pela polícia de trânsito. Nunca cansados. O trio elétrico em miniatura ainda ligado espalhava o som do bandolim. Sempre mais uma piada, mais um gesto, mais um alô para os pequenos.
Melequinha e sua parceira. Kalina e Paulão. Vocês foram a beleza do Carnaval. E deixaram beleza no coração de cada um que cruzou com vocês! Uma mensagem silenciosa que ainda ecoa em mim.