Ainda ontem não estava ali.
Hoje apareceu. Elegante. Alto. Imponente. Complacente.
Em silêncio, transmite um recado: Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz.
Onde todos se encontram, passam e param, quase que invariavelmente com pressa, ele nos confronta com sua calmaria. Logo ali, em frente ao trio de elevadores, no hall do edifício.
Não se move, não alteia o tom da voz, não julga. Os olhos, apesar de fixos em um ponto qualquer, como que miram tudo o que está à frente. São os que tudo vêem.
Dá vontade de lhe dar um chacoalho. Para que saia dessa nuvem alta em que parece se postar para zombar da falta de sabedoria de cada um, da impaciência, da intolerância, das ninharias.
Onde houver ódio, que eu leve o amor.
Mas como dá para pensar em amor se tudo vai tão mal. O salário não cobre as despesas, o tempo é consumido pelo excesso de carros no trânsito, o filho adoeceu logo hoje, os ônibus estão em greve, o exame acusou uma taxa fora dos parâmetros, o cara não ligou, a moça deu na primeira noite.
Onde houver ofensa, que eu leve o perdão.
Que mané perdão. Deixe que eu me inflame corpo adentro, alma envenenada, maquinando a próxima vingança, ruminando a última raiva, querendo saber por que as palavras não saíram na hora certa para dar aquela esculhambação quando aquele otário furou a fila.
Onde houver discórdia, que eu leve a união.
Cada um que se resolva. Em briga de marido e mulher ninguém mete a colher. Ado, ado, ado, cada um no seu quadrado. Não vou deixar barato. Tá pensando o quê? Não levo desaforo para casa.
Onde houver dúvida, que eu leve a fé.
Ah... se Deus existisse. Se ele estivesse mesmo vendo tudo. Nem haveria a conjunção ‘se’. Tudo sairia perfeito sem condicionantes. Cansei de gastar o latim. Andar com fé, eu vou... Hum, sei cá.
Onde houver erro, que eu leve a verdade.
Verdade cada um tem a sua e errar é humano.
Onde houver desespero, que eu leve a esperança.
Esperança é a última que morre. Mas com esses olhos que a terra há de comer, ei de vê-la sete palmos abaixo do chão.
Onde houver tristeza, que eu leve a alegria.
Tristeza não tem fim. Chorar faz parte da vida. A tristeza é uma forma de egoísmo. Estou rindo tanto hoje. Certeza que acabarei o dia recebendo uma péssima notícia. Mau agouro essa gargalhada toda.
Onde houver trevas, que eu leve a luz.
No fim do túnel tem é nada. Com essa velocidade, a luz passa e a gente nem vê.
Ainda ontem não estava ali.
Mas hoje está.
Em madeira maciça. De Lei.
Sua Lei, sua bondade, os braços abertos, esses pássaros aconchegados neles. Essa entrega, São Francisco de Assis, é que esfrega na nossa cara o quanto não sabemos nada da vida, como é vã essa busca cega pelo que desconhecemos o sentido.
Ó Mestre...
Fazei que eu procure mais.