Carolina não viu.
A vida, o carnaval, os amigos, os acontecimentos.
Sequer viu o tempo passar.
E olha que ela estava na janela, de onde tantas oportunidades de se ver são descortinadas.
Era sábado.
Carolina sentou-se perto do parapeito.
Não era ver ou olhar o que buscava fazer ali.
Queria apenas que a fumaça do cigarro não invadisse o apartamento recém-reformado.
O olhar mantinha perdido. Sem fixar-se em nada.
Considerava-se um tanto invisível. Escondida. Incólume.
Mas quem passasse pela rua e olhasse para cima, a flagraria.
Foi o que aconteceu.
Carolina foi vista, sem saber, por dezenas de pessoas que cruzaram a rua naquele dia.
Até por quem passou em horários diferentes, indo e voltando de atividades variadas.
Ela, no entanto, permanecia imóvel. Apenas o cigarro era outro.
Que acendia e apagava com voracidade.
Era naquela droga lícita que depositava tudo o que sentia, tudo o que havia.
E era muita coisa.
Ora alegria, ora tristeza. Também esperança, descrença, incredulidade. Vontade, desejo.
Nada se refletia no olhar, no entanto.
Este continuava um tanto fixo, vislumbrando um horizonte que nem havia.
Caso se debruçasse um pouco mais, cairia.
Seria um lamentável acidente. Fatalidade. Comentariam. Lamentariam. E uns dias a mais, uns a menos, estaria esquecida. Seria apenas um nome lembrado sem nenhuma emoção, mesmo pelas pessoas que supostamente amava.
Cuidou de ter certeza de que estava bem segura – só a mão deveria permanecer para fora.
Morrer também não queria. Não era o momento. Não ia dar esse gosto.
Já era noite quando despertou daquele torpor.
Quis a vida.
Ouviu ao longe o som de uma batucada. O vento trazia o burburinho abafado de vozes eufóricas.
Olhou o relógio, quis voltar os ponteiros.
Naquele dia o tempo passou na janela. Só Carolina não viu.