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O SONHO

Fazia bastante tempo, anos talvez, que a advertência se repetia.

Se o telefonema fosse dado após às 17h, invariavelmente, iria ouvir uma voz impaciente e apressada do outro lado.

Era minha mãe. E avisava que não poderia se alongar na conversa pois estava assistindo à Missa ou à Novena do Divino Pai Eterno.

Aquilo já tinha virado fofoca na família. “Mamãe disse que você ligou, mas ela estava vendo a missa. Não podia falar”.

Os desavisados que não entendiam ou assimilavam a restrição do horário, teriam o seu castigo. Seriam recebidos com solene indiferença. E uma bênção materna cujo fim nem se ouvia. Porque já era o sinal de desligado que despontava do outro lado.

Foi então que percebi, nas visitas eventuais, que além do filtro de água, garrafinhas se acumulavam em cima do móvel pesado na sala de jantar da casa de mamãe.

Era com ela que a sede da matriarca era aplacada. Era dela que bebiam todos, se faltasse a água engarrafada.

Era benta. Cuidadosamente levada para a frente da tevê, enquanto um até então, para mim desconhecido Padre Robson, fazia o sinal da cruz e abençoava o líquido.

Transmitidas ao vivo, as liturgias também arregimentavam multidões para além dos aparelhos de televisão.

Aconteciam na cidade de Trindade, em Goiás, região centro-oeste do país.

Era para lá que mamãe sonhava em ir. Um dia – se Deus permitisse. Repetia ela, com mãos postas.

Aquilo já virara um ritual embutido na rotina da casa.

Era como se a oração na sala bastasse. Era como se o sonho nem precisasse se realizar porque já fora transformado em palavras repetidas. Mas não era bem assim. Ele ainda parecia não realizado e necessário para uma filha atenta, Vânia, que eu soube depois, desde 2011 tentava concretizá-lo.

Pois sete anos depois, tudo indicava que chegara o dia permitido por Deus. Vânia saiu da Suíça, onde mora, e encontrou Maria Barbosa em Campina Grande-PB, seguindo até Brasília. A cidade seria, entre outras missões, o ponto de partida até Goiânia.

De lá venceriam os 30 km restantes, até a chegada em Trindade, onde assistiriam à cerimônia, torcendo para que fosse conduzida pelo Padre Robson. Estaria cumprida a missão, faltando tão somente retornar à capital do país.

Meio por acaso, sem planejamento, pesquisa ou expectativa, eu fui uma passageira dessa expedição. Como easy riders singramos as estradas verdes do Goiás e vivemos uma micro aventura entre mãe e filhos, jamais esperada por mim.

Além de mamãe, Vânia arranjara de levar a mim e a Roberto, também nosso irmão, que dirigia e, literalmente, nos guiava.

Paramos para as pamonhas, o posto de gasolina e a selfie. Chegamos em Goiânia e de lá seguimos para a pequena cidade de romaria, ainda guiados pelo GPS e sem saber o que esperar.

Tínhamos duas opções e escolhemos as duas. Conhecer o antigo Santuário do Pai Eterno, igreja secular, feita em adobe e decorada em madeira escura, onde fui tomada por uma forte energia e onde, finalmente, percebi o que acontecia.

Era quase um milagre. Ou um. Mamãe já em passos lentos, carregando seus 80 anos, muitas dores e problemas de saúde, realizava seu sonho. E eu estava lá. Estávamos lá.

Isso me iluminou e já me bastaria. Mas seguimos rumo à grande Basílica do Divino Pai Eterno, onde (graças a Deus) era Padre Robson quem conduzia os ritos e onde centenas de fiéis rezavam, em meio ao calor.

Era um espetáculo com muitas vertentes. Mas era sobretudo bonito e forte. Com direito a gruas de filmagem, música arrojada, projeto de iluminação – que diminuía e aumentava – segundo o momento exigia.

O padre finalizou a performance tão bem executada, jogando água no público. Era benta. Eram baldes. Sobre o chão molhado e escorregadio, muita gente ainda se espremia, seguindo os passos dele, tentando um contato mais próximo.

Mamãe foi junto. Se acotovelando ao tempo em que tentava não cair. Em que tentava, em vão, correr. Padre Robson, Padre Robson!!!! Gritavam ela, Vânia e Roberto. Mãos estendidas. Faltavam poucos passos para o homem entrar em ambiente restrito e encerrar as expectativas da pequena multidão.

Padre Robson!!!!!! O tom já era uma ordem. E ele atendeu. Finalmente. Apertou a mão de mamãe no alto, entre tantas que se empurravam na mesma tentativa.

Ela sorriu. Voltou aos passos lentos. Estava feito. Sonho realizado. Agora, era voltar à tevê. E ao horário sagrado.

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