O maior “se” que trago comigo diz respeito à morte do meu irmão.
E se ele tivesse se demorado mais em algum lugar antes de seguir viagem. Se ele não tivesse seguido viagem. Se ele não tivesse desviado para a esquerda, lado onde trombou com um ônibus. E se... Talvez não estivesse correndo além da velocidade da via. E se aqueles motoqueiros não tivessem aparecido na frente dele de repente em um veículo sem farol? E se ele tentasse poupar mais a si do que aos desconhecidos?
Nos dedicamos todos, por algum tempo, a debater nossos ‘se’. Nossas dúvidas. Nossos desejos. Sabíamos da inutilidade dessas digressões. Mas de alguma forma elas eram necessárias – não sei se para antecipar o nosso conforto ou para acentuar as dores.
Dores que, nos diziam todos, passariam com o tempo. Não podíamos supor na época que o tempo seria capaz disso. Porque nos primeiros instantes, nas primeiras horas, nos primeiros dias, nas primeiras semanas, ele nos puniu de forma lancinante com a maior dor que, é provável, já pairara em cada um dos nossos corações de pai, mãe, irmãos e irmãs.
Mas o tempo passou mesmo. Lá se vão cinco anos. E todo o torpor, indignação, horror, raiva, abriu lugar para uma existência dele. Em cada um de nós. Mansa. Em que tentamos rir sempre que possível. Trazê-lo para perto de forma gentil. Em épocas do ano. Em piadas. Em músicas. Em hábitos. Em gostares. Em vontades nossas de que estivesse aqui. Em tudo o que veio depois. Quando o citamos. Quando sonhamos com ele.
Raniere.
Essa semana me visitou em sonho. Ou eu o visitei. Já tivemos a oportunidade de revê-lo de forma onírica de formas variadas. Sentindo sua presença, mas sem enxergá-lo. Sabendo-o morto. Tentando tocá-lo. Em vão.
Eu encontrei Raniere como ele era. Chegando de um evento. Indo para outro. Apressado. Agregador. Tinha o carro cheio. Levava com ele equipe de filmagem ou fotografia. Vestia camiseta estilizada. Ele e a trupe que o acompanhava. Mamãe cobrando sua presença. Pois que apareceu em casa e já se preparava para sair de novo. Eu fazia coro com mamãe. Parecia que já estava bom de rua. Que ficasse conosco.
Mas ele nos tranquilizava. Iria responder a algo do tipo flash mob. Para prestigiar um amigo, cuja identificação não apareceu no sonho, dono de um bar, lugar onde muitos se juntariam para homenagear alguém que morrera no local.
Ele voltaria logo. A equipe só ficava meia hora em cada lugar. O que facilitava a previsão de sua volta.
Esse sonho tinha muito dele. Pude ver nitidamente seu rosto. Ver suas expressões. Ouvir sua voz. Acompanhar seu jeito de corpo. Irrequieto.
Generosidade do inconsciente. Trazer meu irmão como eu o conhecia. Para uns momentos de reencontro. E família reunida. Foi bonito.
Imagem de Bruno /Germany por Pixabay