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A FALTA QUE FAZ UM CAFÉ

E eu. Eu estico as pernas no sofá. Eu dou um sorriso de canto de boca ou de boca escancarada – não sei mais – fecho o livro. E repito o esparramar-me. E repito o sorriso que não sei o tamanho. E fecho o livro. Sentindo-me divertida. E leio a palavra. Crônica. Então alguém também a usa? Alguéns – três – a assumem. Maria. Gregório. Xico. Então minha cabeça fervilha. Faz um texto-despejo. Que eu gosto. Mas sei não vou saber reproduzir sobre esse teclado. E sei que agora é inevitável. Abrir o computador. Ele meio emperrado não vai conseguir acompanhar o ritmo da narrativa mental. Eu vou tentar. Antes de sair para comprar o pó de café que sabia estava faltando. Mas a porra da memória. A lista inexistente. O alarme que não usei – porque ademais – não uso para nada (ou quase nada) me deixou acordar às 4h49 sem café para fazer. Para tomar. Não tem pó. Não tem cápsula. Abro o cemitério das perfuradas. Pergunto-me se é possível o reuso. Nem que faça surgir uma água suja que me traga ao largo e ao longe o sabor do que seria um café. E eis que violando o túmulo acho uma cápsula fechada. E prometo que sempre vou deixar uma ali para estes fins. E faço o café. E peço que não acabe. E peço que não esfrie. E penso se cruzo a asa em busca do mercado 24 horas que sei estará aberto. Mas penso na gasolina. E no trajeto. E no frio, que agora deu de ficar frio de novo. E me pergunto se no caminho vou achar uma birosca aberta. Refaço todo o comércio. Em pensamento. Não vai haver birosca. Abrem tarde. Fecham cedo. Lei do silêncio. Lei. Lei. Venho mesmo para o computador. Trago o livro vermelho na mão. Fechado. Que é para ler. De novo. E sorrir de novo. Ante a palavra. Crônica. Então alguém mais fala em Rubem Braga. E não apenas eu. O tenho como o maior. O mais inspirador. Eu insisto em me dizer cronista. Mesmo sabendo que cronista é praticamente apenas Rubem Braga. E agora esses três juntos. E escorridos no passar de páginas. E eu não sou cronista. Aquilo meu não tem humor. Não tem sabedoria. Derramamento insano de palavras que ao final, afinal, fazem sentido. Ou não. Não precisam fazer. E eu não digo escrevivência. Porque não me sinto autorizada. Sinto que estaria roubando o conceito. E que as pessoas precisam e gostam de conceito. E que eu seria mais feliz se inventasse uma palavra. Mas eu não gosto de inventar palavra. Eu não quero dizer o que é isso ou aquilo. Aos moldes de Carpinejar ou de Medeiros. Que cada um crie os seus. Conceitos. Pense por si. Foi sobre isso que escrevi, chorando, para Diego de Oxóssi. Não quero falar por ninguém. E ele, talvez vendo meu delírio, perguntou: Mas quem tá lhe cobrando isso, querida? E fez- se a luz. Ninguém. Ninguém estava me cobrando isso. Eu que não quero fazer. E por isso delirei. E escrevo crônica. Mas o termo é de origem francesa. Não combina com minha cor de pele. Nem com minha história. Mas quero dizê-lo. Mesmo que não encontre eco. Nem aceitação. Que as pessoas olhem para mim estupefatas. Esperavam ouvir poesia romance. Quando perguntam o que eu escrevo. E respondo crônica. E tento explicar. Mas não tem explicação. Textos. Curtos. E queria explicar também na capa do meu livro. Mas disseram que livro não se explica. E por isso rio. Quando vejo o título ‘Crônicas para ler em qualquer lugar’. Já as li no banheiro. No banquinho da janela. E agora no sofá onde me espreguicei e sorri de um tamanho que não sei como era porque não vi. Então me chamam de poeta porque precisam me chamar de alguma coisa. E eu digo: não é poesia. E me olham de novo com aquela cara. E eu explico. É prosa. É prosa. Não tem rima. Quando tem é pobre. De muleta. Pé-quebrado. Até ousei dizer. E eu vejo a joaninha voando. E penso que já escrevi sobre uma. Porque faltava tema e eu precisava cumprir a meta do um por dia. No tempo que eu achava que precisava. Porque tinha gente me desafiando. Esperando pra ver. Doida para dizer: sabia que eu não ia conseguir. Eu não consegui. Mas acreditei que pouco importava. Porque mesmo não, eu tinha, sim, conseguido. Porque tudo é narrativa. Me diz a escritora. E estou tendendo a acreditar. Minha filha amaria a joaninha. Sábado mesmo coloquei uma em sua mão. Foi festa. Mas ela não está em casa. E melhor que seja assim. Porque a joaninha acabou de dar com seu corpo pequenino no copo d’água que nem cheguei a beber. Porque jaz ali, aqui, a joaninha. E vigora a minha sede. E um amigo contou sobre o dia em que conheceu Rubem Braga. E o primo dele, de Rubem, com quem troco correspondência, nunca me conta muito sobre ele. Talvez não saiba. E esses três o evocam. Que glória. Não estou só. Tampouco sou cronista. Descubro. Désolé. E penso que podia colocar na Internet meus ais. Como a menina que diz: Alguém querendo ir ao cinema comigo? Não daria conta. De não ver resposta. E expor o engano e a solidão. De mim. De uma pergunta. Na Rede. Eu penso que tem tanta gente vivendo a mesma coisa. Querendo a mesma coisa. Mas não fala. Como vai falar. Onde vai falar? E me sinto a menina pretinha, cabelos caudalosos, joelho arranhado e cinza, pernas finas quase tropicando uma na outra, da infância. Brincando na casinha do Domingos Sávio. Sozinha com o dedão de fora da única sandália. E as outras tão nobres perguntando por que ela, a menina, eu, outrora, só tinha uma sandália. E por que meu pai era preto. E eu respondendo que ele era marrom. E sabia que no dia da festa, na hora, minha mãe ia fazer o impossível e ia chegar lá com uma sandália novinha para eu me sentir melhor. Inclusa. Virei fã da minha mãe. E do seu impossível, que me atormenta até hoje. Quero ser igual. Para a minha filha. Mas ela descobriu. E fica me pedindo impossíveis. Até que fiz um poeminha, acho. Era para a minha irmã. Mandei. Toda prosa. Não deu azul. Nem ontem. Nem hoje. Caiu no banheiro? Acionei toda a rede. Pequena. Duas pessoas. Alguém pode ir lá? A resposta. Está ótima. Whats App deu problema. E nossa vida e ânimo e vontade regulados pelos traços azuis não do arquiteto mas da arquitetura. E de tudo que já digitei talvez tenha faltado algo de quando o texto estava na cabeça. Lembrei agora que vai ser Bishop. E não outra. E vai haver boicote. Que eu não entro. Porque sempre estive nele. A Flip me boicotou a vida toda desde que descobri que existia e em julho não se é gente se não se está lá. Mas eu nunca tive férias em julho. E nunca tive dinheiro em julho. Para me fazer chegar. E penso que estou convidada para um sarau, na quinta. E não faço poesia. Será que o sábio sabia? Vou ler lá um palavrão do pouco que me permiti dizer e escrever até hoje. Que o mano pira. E minha irmã escreveu que meu texto foi cortado pela emissora porque tinha buceta e se é assim, porque dizemos caralho? Caralho é para coisa boa para caralho. E buceta é pra esculhambar? Seu cara de buceta. É muita coisa. É muita coisa para pensar nessa vida. E nossas causas quando postas em fila? Quando se juntam às do mundo? Viram nada. Viram tanto. Viram silo explodido a nos afogar como andam fazendo com tantos homens no Brasil profundo do agronegócio, na matéria da BBC. Não disseram dos corpos. Infecção ou desinfecção. Para onde vai o grão cemitério/matador? Atormentada. Respondo. Quando me perguntam como estou. Mas nem combina. Sempre achei que poesia, isso de ser poeta, não era um estilo literário, mas um estilo de vida. Por isso só acredito em Leminski. Eu vou, agora, toda prosa, comprar meu pó de café. Passam das sete. Afinal. Daqui a pouco é hora do almoço. E releio o texto de ontem. Faltou um plural. Escrevi errado. E meu irmão me disse que para 2020 o plano é não me ler. Para não precisar me corrigir. Porque não entende meu descaso com a palavra. E eu assumo o erro. Mas o que é assumir erro, me pergunto? É deixar lá um plural faltando porque na hora não vi? Porque depois que vi tive preguiça de mudar? E tem o que não vejo. E não entendo o meu descaso com as palavras. E o que é assumir o erro senão passar vergonha? Pois pronto, como diriam no Nordeste. Estou por esse mundo desavergonhado, sem vergonha. Porque a língua é minha pátria. E eu não tenho pátria. Tenho Célia Xakriabá. Dizendo no Instagram para o ser humano se descalçar. E queria saber como fazer. Como fazer, Célia? Para ter uma risada como a sua. Minha origem Cariri, acho, não está no meu nome. Está na minha pele. Nos meus traços. E eu sigo. Atormentada. Decidida, enfim, a sair para comprar café. Ainda não sei se em pó ou em cápsula. Essa fortuna que não me cabe. Porque se em julho não tenho dinheiro para a Flip, em fins de novembro também não. Para cápsulas.

Imagem de Christoph por Pixabay


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