Aqui estão. 365 textos. Com esse. Deviam representar a produção de um ano. Caso eu tivesse obtido êxito na empreitada que dá nome a este blog. E tivesse conseguido produzir umpordia. Isso não aconteceu. Ao contrário de Juscelino Kubitscheck e o bordão usado na época em que se propôs a modernizar o país, incluindo aí, a construção de uma cidade-capital, onde eu moro hoje e há quase vinte anos, Brasília, eu escrevi um ano em quase três. E, ao contrário do que falo no início, sobre êxito, considero, sim, exitosa a caminhada que me trouxe até aqui.
Voltei por acaso, dia desses, ao texto de apresentação que coloquei na página. O Sobre. Fiquei surpresa com o seu poder adivinhatório. Com sua profecia. Tantos dias e 365 textos depois, posso reescrever o que disse, assinando embaixo com mais veemência.
“Não fiz meu primeiro milhão aos 30. Aos 40, o que tenho é sede de autoconhecimento. Não buscado em cursos, retiros ou tradições filosóficas – mas na escuta interna. Na paciência de confiar na vida e na construção do quebra-cabeça diário de cada acontecimento ou de cada espera.
Quando retomo a escrita, escuto a voz do meu pai perguntando se estou escrevendo. Ou lendo. E me dando a ordem afável de fazê-lo. Escuto outras vozes. Mas escuto, sobretudo, o meu próprio chamado.
Entendo aos poucos o lugar de algo que sempre fez sentido para mim e do qual procurei fugir até aqui. Ou por querer muito ou por abdicar de tudo – em nome de ver pronto mais um texto.
Hoje, surpreendente e suavemente, escrevo sem expectativas. Como espaço de cura e redenção. Entendo que meus olhos e ouvidos, sentidos e sentimentos encontram espelho e precisam se refletir na escrita. Isso me realiza.
A busca dessa realização diária, em cada 2.700 caracteres com espaço, me alimenta, me realiza, me enche de adrenalina e de contentamento.
E não quero muito além disso. Diariamente me renovar, me iluminar por dentro. E seguir.
Assim, firmo o compromisso, ao meu pesar ou meu contentamento, de publicar Um por dia”.
Tirando o fato de a produção não ter sido diária, eu não teria nada a dizer que não fosse o que está dito.
Em outros textos publicados aqui, fiz algumas avaliações deste tempo, à medida em que corria. Disse ter sido cobrada pelo ritmo imposto. Não podia ser um por semana? Perguntou-me uma amiga. Fui repreendida pelo nível de exposição. Mais de uma vez. Respondi que era preciso quebrar ovos para fazer omeletes. Então, me quebrei inteira. E me derramei nas palavras. Para ser apreciada por meus degustadores.
Houve pausas por muitos motivos. Internos e externos. De maturação aqui dentro. De computador quebrado. De doença. De vida em abundância. Respeito todas elas. Necessárias.
Também me pediram para escrever sobre política ou análises de conjunturas políticas. Abdiquei disso porque acredito que há pessoas mais aptas a fazê-lo. Eu as leio. Também fui questionada sobre o número de leitores. Seria possível escrever sem ter quem se comprometesse a decifrar o seu conteúdo? Sim. Abdiquei dos leitores. Pelo menos no sentido de precisar ter provas de sua existência para continuar escrevendo.
Continuei escrevendo para ter provas da minha própria existência. Entendê-la. Sorvê-la. Lamber os dedos lambuzados por ela.
E aqui estou. Outra. Mais forte. Mais consciente. Mais curiosa. Mais leitora. Mais informada. Mais preta. Mais mulher. Mais presença nos lugares em que ocupo. Mais escrevinhadora. Mais escritora. Mais maior de grande. E ainda no esforço de tirar as palavras da tela estática e conseguir articulá-las da boca para fora. Sempre que preciso for. Já caminhei muito nesse sentido. É preciso reconhecer.
Hoje escrevo também, mensalmente, nos espaços Bora Cronicar e o Mães que Escrevem, comandados por mulheres. Estou com dois textos n’O Livro das Marias, coletânea organizada pela integrante do Mulherio das Letras, Jeovânia Pinheiro. Tenho crônicas também na revista LiteraLivre. Os originais do livro “Que o nosso olhar não se acostume às ausências”, com textos coletados do blog, estão prontos. Tinindo. E me fazendo percorrer aquela trilha complexa da publicação. Cheia de “agora vai – mas não foi”.
Sei que emocionei outras pessoas. E sei que me emocionei demais. Sei que depois de alguns textos senti-me brilhante por dentro. Outras sensações foram de esgotamento. Tristeza. Revolta. É muita coisa. É uma sessão de terapia a cada vez. E, como tal, é pancada. Ou é leveza. Descoberta. Ou confronto.
Agradeço. A tantas gentes. Todas nomeadas nesse silêncio textual dos seus nomes. Mas gritadas na minha alma. Com gentileza e afeto.
É bonita a festa, pá.