Em tempos de Redes Sociais quase diariamente somos confrontados com anúncio de pessoa desaparecida. Muitas vezes, há final feliz. Noutras, foi até alarme falso. Por uma série de pequenos enganos, a pessoa estava perto. Mas incomunicável. Ou fez pequena viagem. Enfim, tem de tudo.
No último final de semana, quando fui reiteradamente apresentada à imagem de uma mulher desaparecida, chamada Letícia, de 26 anos, advogada, funcionária do Ministério da Educação, uma sensação de “está feito” me dominou. Eu sabia, por motivo desconhecido, que aquela história não teria final feliz. Era questão de tempo. Sabermos com mais ou menos detalhes. Ela estava morta.
Talvez a sensação não tenha parentesco com o além. Com alguma intuição poderosa. Mas com o medo. Mesmo. Com a obviedade do perigo que corre a vida das mulheres. Podia ser apenas pessimismo. Pânico. E eu seria surpreendida com o seu achado. Respiraria aliviada. Seguiria em frente.
Mas logo veio a confirmação. Letícia estava morta. Seu corpo, nos dando motivos para agradecer por isso, foi encontrado. Em manilha. A família teria como finalizar a dúvida. Poderia velar e enterrar sua querida. Filha. Mãe. Esposa. Amiga. Saber o fim da história. Que começou cedo da manhã quando ela tentava chegar ao trabalho a partir de uma região administrativa ou cidade-satélite do DF.
Aqui, poucos lugares não ficam à margem. O que não é Plano. Lago. Alguns Condomínios. O mais. É periferia. Onde políticas públicas chegam com maior sofreguidão. Quando chegam. Onde transporte público é sinônimo de humilhação. E sofrimento. Quando há. E onde as obrigações com horários e compromissos fazem com que se arrisque a vida.
A cena lembra muitas de filmes americanos. Mas na ficção e tão longe de nós, pensamos que isso fica no âmbito da sétima arte. Um psicopata. Diz a polícia. Um pai de uma adolescente de 17 anos. Um marido. Dizem os jornais. Um antigo morador da região. Via mulheres sozinhas. Até aqui mostrava o padrão de escolher as primeiras horas da manhã para sua caçada sanguinolenta. Via. Voltava. Oferecia algo. Carona. Companheirismo. Solidariedade. A prestação de um serviço. A possibilidade de se chegar à aula. Ao trabalho. À casa. Para fugir de algo que não passaria pela possibilidade de ser a fuga forçada da própria vida, as mulheres confiavam nele. Até agora 9. Duas das quais, mortas.
Ele investia contra seus corpos. Suas subjetividades. Queria sexo. Caso negassem, morte. Caso não fossem dominadas, morte. Para que não o identificassem, morte. Genir sumiu. Apareceu. Seu corpo. Acompanhei pelos jornais sua história. Por algum motivo, seu caso não ganhou uma investigação com um suspeito detido. Com um assassino confesso. Se assim houvesse sido, Letícia estaria sorrindo. Estaria abraçando a filha. O marido. Os pais. Estaria no trabalho. O que a polícia diz sobre a elucidação do caso Genir, quase como cortesia do seu algoz, o matador de Letícia, só ter acontecido agora? Quando há menos uma?
Que luta é essa que não tem trégua. Que não tem armistício. Bandeira branca. Batalha ganha. Que guerra perdida é essa. A gente grita. A gente pede. A gente ensina. A gente implora. A gente vai pra rua. A gente empunha cartaz.
A gente não entende. A gente não suporta. A gente não quer. Não pode. Não merece. Viver com tanto medo. Tantas ameaças. Apenas por existir. Não estamos à mercê. Não fomos feitas para ser peça de tabuleiro. Não somos objeto. Não somos patinhos rolando em parque de diversão esperando ser atingidas para tombar e premiar, com o fim da nossa vida, homens cruéis. Não somos seta pintadas em árvore.
Somos livres.
Tirem suas mãos assassinas do caminho. Queremos passar. Do jeito que for. Porém, vivas. Nem uma a menos.