Parecia falar sozinho.
– Ah, meus velhos tempos.
Duas mulheres acabavam de se levantar da mesa do restaurante. Ambas jovens, podiam ser mãe e filha. Sendo a suposta filha – que se demorara antes de se dirigir à saída, passando alguns minutos bem na frente dele – quem pareceu inspirar o sonho da volta à juventude do senhor que parecia falar sozinho.
Em tom de cumplicidade, ele tentara entabular um diálogo com o garçom, também idoso, que acabava de lhe servir à mesa. No entanto, o profissional se ouviu, fez que não ouviu. Por respeito ao ambiente de trabalho. Ou à moça, não mais do que adolescente.
Podia estar respeitando a si mesmo. Não ter interesse em divagar sobre o que faria diante de uma mulher como aquela em seus tempos de outrora. Perda de tempo. O que tinha de verdadeiro e objetivo, bem atual, era uma praça lotada de clientes famintos. Em plena hora do rush estomacal. Almoço em quase final de semana. Shopping central da cidade. Um dos mais movimentados.
Não tinha tempo para loas. Não entabulou conversa. Sequer deixou suspenso algum gesto que denotasse haver reciprocidade no desejo dos dois. Não piscou. Não balançou a cabeça. Não assentiu com o polegar. Apenas puxou a toalha que trazia junto à cintura, passou-a com esmero pela mesa. E saiu.
Sem resposta. Sem cúmplices. O senhor se recompôs. Antes, sorriu. Como houvera feito lá pelos 18 anos. Agora, ante o gesto, apontavam dentes amarelados e uma pele flácida, encarquilhada e cheia de manchas senis. Os olhos chegaram a brilhar. Mas era brilho que já nascia apagado. Sem futuro. Só passado. Logo substituído pelo peso de tanta coisa vista e pelos grossos aros dos óculos. Passaria a mão pelo cabelo. Mas já eram poucos. E as raízes crescidas deixavam à mostra o branco. A verdadeira cor por baixo da tinta escura.
A roupa – blusa listrada de mangas compridas e calça social – já tinha mais espaço do que o mirrado corpo carente de músculos. O sapato lustrado podia ser obra de compra recente ou de algum engraxate, também buscado pelo homem na tentativa de encontrar-se com os velhos tempos. Época em que esses profissionais eram os donos das ruas. E das boas conversas.
Durou pouco. A digressão. Logo voltou a ser quem era. Cobriu-lhe o rosto um aspecto triste. E desamparado. Sabia que a liberdade de passear no shopping. Almoçar sozinho. Eram as mezinhas únicas de tão vulnerável tratamento para devolver-lhe o viço. A capacidade de se virar sozinho.
Agora sem a companhia do garçom. Agora sem a visão da moça. Restava-lhe suspirar. Suplicar. Praguejar.
Ah, meus velhos tempos.