A história ficou conhecida no Brasil depois que a imagem viralizou. Uma mulher filma sua reação ao encontrar um cenário desolador no quarto onde havia sido deixado o seu cachorro. Desesperada, ela grita e chora lamentando pelo colchão destroçado e um não menos avariado controle remoto, frutos da interação do bicho com os objetos, nas duas horas em que ficou sozinho, enquanto sua cuidadora ia ao cinema. Ela conversa com o cão. Na verdade, grita com ele. Briga. Ameaça. Quase chora. Faz promessas de abandoná-lo. E o chama de demônio. Em entrevista posterior ao fato, ela diz que adotou um cachorro e viu crescer um dinossauro.
O ocorrido vem se desdobrando e o animal e sua dona têm aparecido em dezenas de entrevistas e matérias nos meios de comunicação. Ambos, mãe e filho-cachorro, ganharam camas novas. Conselhos de adestradores. E não sei se mais algum mimo. Ao que parece, ela perdoou o animal e considerou uma bobagem ter dito que se desfaria de sua companhia. Não deixa de soar estranho que o fato tenha ganho tanta notoriedade e espaço midiático. Mas são sinais dos tempos. E como o caso não deixa de ser bem-humorado, é bom para tirar o foco de tantas notícias áridas e estarrecedoras que somos obrigados a consumir.
O que me chamou mesmo a atenção foi o que chamei de ‘inteligência emocional’ de Chico. Como a interação entre os dois se desenrolaria se Chico, a exemplo de sua dona, tivesse perdido as estribeiras? Se latisse alto? Se pulasse sobre ela? Se ficasse agressivo? Se a mordesse de sangue ou de morte? Ao contrário, ele fez o famoso ‘ouvido de mercador’.
Mais que isso, visto pelas imagens da câmera de celular, bancou a vítima ou a egípcia, para usar o jargão também famoso na Internet. Chico silenciou. Calmo, pareceu mesmo pedir um abraço naquela hora em que se via na berlinda. Na minha terra, se diria que era um baita sonso. Mas fazer o quê? Acredito que sua calmaria foi efetiva para o final feliz que a história teve e vem tendo. Ele foi perdoado. E agora, talvez, seja muito mais compreendido. É possível que sua vida e relações ganhem novos contornos agora. Melhores contornos, até.
Percebi na cena muito do que acontece na vida real e em relações que envolvem apenas humanos. Pareceu-me que cada um de nós, tem um Chico. Ou um demônio. Na vida. Para azucrinar. Para nos tirar do sério. Para tirar a ordem de uma vida já não muito afeita a esse estado de coisas – o da ordem. No meio do caos, gritamos com nosso Chico ou queremos gritar. Enfrentamos nosso demônio – ou não temos coragem para tanto.
Convido o leitor a pensar e localizar essa pessoa/situação/relação na vida – demoníaca. Que faz desesperar. Chorar. Gritar. Lamentar. Querer ir embora. Querer mandar embora. Olhar nos olhos pode fazer amansar a fera. Pelo menos dentro de nós. Impedir que, a despeito de não despedaçar objetos, faça pior, deixando nossa alma em frangalhos. Poder gritar em alto e bom som em direção a isso, assumi-lo e chama-lo de demônio, deve ter um efeito terapêutico. Eu vou tentar.