Quando o jornal anuncia o concurso de fotografias, está oficialmente aberta a temporada de ipês-roxos na cidade. Caminhar. Ou ser passageira de um carro – nunca a motorista – para ter a chance de olhar para eles sem outra preocupação. Ou intenção. Que não seja olhar para eles.
O vento frio. O sol generoso. A transição da chuva para a seca. Um verde intenso e farto – diferente se está iluminado ou sombreado. E os ipês. Enchendo de graça o cenário já estonteante de uma Brasília em junho.
De que adianta fotografá-lo, pergunto-me? Há algum equipamento. Há alguém. Com a sabedoria necessária para prender a beleza da florada dos ipês para além dos dias em que acontece?
Além do mais, é preciso ser rápido para receber do ipê os seus filhos. Alguns dias depois de dar à luz seus perfeitos rebentos, ele se recolhe, humilde, a um estado de invisibilidade. Apertado entre espécies mais frondosas. Apoiado por troncos finos e com aparência de fragilidade.
Não são vistos, os ipês. Quando estão nus. Até que voltem a gritar, no silêncio quebrado apenas pelo farfalhar do vento, do quanto são capazes. Moradores estupefatos perguntam-se se sempre estiveram ali aquelas parideiras. Turistas olham para cima querendo entender o que não tem resposta. Nem nunca terá.
Não há entendimento que o ipê possa trazer. Ao contrário, ele reforça mistério. Ele brada força. Ele nos convulsiona em enigma. Como pode? Pode. Pelo grande poder da natureza, como diz o mote do poeta popular. Dói na vista. Abranda a alma. Enternece os fracos de coração.
Toda a cidade sarapintada por suas luzes. Seu rosa perfeito. Ou seu arroxeado, para ser fiel ao nome da espécie. Cachos simetricamente construídos por pétalas unidas uma a uma. Como um buquê de flores artificiais tecido por artesã caprichosa.
Melhor não tocá-los. Sábio não querer um exemplar em casa. Os ipês não são domesticáveis. Andam em bandos. Gostam da coletividade. Não fazem sentido se isolados. Seus cachos. Suas árvores. Não abrem mão da liberdade de apenas ser. E estar. Disponíveis. Para que súditos errantes nos deixemos embriagar. Por sua imponência.
Viro o pescoço. Olho para cima. Falo sozinha. Exclamo palavras de admiração e agradecimento. Deixo que aquela cor, de nome indizível se está transformada em ipê, tome conta de meus sentidos.
Mas não me arvoro a fotografar um ipê florido. Muito menos colher suas flores. Logo estarão no chão. Deixando-se pisar. É a vez de ser tapete. E que nossos pés saibam reverenciar o lugar onde se achegam. E permitam-se receber a maciez de um ipê que se vai. Mas voltará no tempo certo.
Ed Alves/CB/D.A Press