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ERA DIA DAS MÃES

Pensei nas que foram laçadas. Nas que têm a pele preta. Nas que foram açoitadas. Nas que foram jogadas ao chão. Nas que foram amarradas. Nas que foram violentadas. Nas que foram amordaçadas. Nas que foram forçadas. Nas que foram silenciadas. Nas que foram vendidas. Nas que foram escravizadas. Nas que foram queimadas. Nas que foram assassinadas. Nas que foram comercializadas. Nas que foram impedidas de estudar. Nas que tentaram fugir. Nas que foram obrigadas a desamar. A desmamar. A abandonar – amores, filhos, liberdade, sonhos. Pensei nas que perpetraram rebeldias – das mínimas às máximas. Nas artimanhas necessárias para alimentar-se ou alimentar alguém – com leite de peito, comida, esperança, luta, força. Pensei nos olhares de soslaio. Na palavra engolida. No gesto contido. Pensei nas etapas puladas. Nos aprendizados precoces. Nos enganos. Nos abusos. Nas feridas. Pensei na inocência apalpada. Nas descobertas forjadas. Na autoria roubada. Na chance negada. Pensei nas mãos calejadas. Nas pernas agachadas. Na roupa molhada. Nos seios murchos. Nas ancas largas. Na vagina lacerada. Pensei nos corpos não adaptados – troncos enfaixados. Nos cabelos tosados. Nos ouvidos feridos – gritados. Pensei no sangue derramado. Pensei nos rostos marcados – cores púrpuras ou descorados. Pensei nas que foram mutiladas. Nas que nunca gozaram. Nas que venderam o corpo. Nas que tiveram o corpo comprado. Pensei nas que foram esbofeteadas. Pensei nas que atravessaram fronteiras. Nas que tropeçaram. Pensei nas que foram presas. Nas que foram torturadas. Pensei nas que se esconderam. Nas que correram. Nas que ficaram. Pensei nas que foram envenenadas. Nas que envenenaram. Pensei nas que usaram espartilho. Armações. Armaduras. Nas que se fecharam. Pensei nas que abriram trilhas. Nas que subiram em telhado. Nas que nadaram. Nas que naufragaram. Nas que perderam a respiração. Nas que se humilharam. Pensei nas que estenderam as mãos. Nas que tiveram os dedos decepados. Pensei nas que singraram distâncias. Nas que caminharam. Pensei nas que foram trancafiadas. Nas que em câmaras de gás definharam. Pensei nas que passaram por assédio moral. Nas que pereceram sob abuso sexual. Nas que cedo se sexualizaram. Pensei nas que trabalharam. Pensei nas que tiveram o útero extraído. Nas que abortaram. Nas que pariram. Nas que piraram. Pensei nas que acordaram cedo. Nas que não dormiram. Nas que não conheceram a paz. Nas que madrugaram. Pensei nas que envelheceram. Nas que se fuderam. Nas que se casaram. Pensei nas peles enrugadas. Nas articulações endurecidas. Nas que paralisaram. Pensei nas que foram julgadas. Nas que foram acusadas. Nas que foram desacreditadas. Nas que nunca acreditaram. Pensei nos seus pesadelos. Nos seus descalabros. Pensei nas que cozeram. Nas que desalinharam. Nas que bordaram. Nas que fizeram alquimias. Nas que brilharam. Nas que tiveram os pés amarrados. Pensei nas que vieram antes. Nos antepassados. Pensei nas anciãs. No matriarcado. Pensei na resistência. Na opulência. Nas façanhas da sobrevivência. Nas que tiveram seus nomes apagados. Pensei na trajetória das mulheres. Era Dias das Mães.




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