Diante de situações de grande beleza – contemplar é, tantas vezes, a única coisa possível de se fazer. Não podemos comprar um pôr do sol. Emoldurar uma estrada. Engaiolar uma paisagem que nos toca. Não dá para colocar no bolso a lua cheia. Nem encaixar na prateleira os dançarinos de frevo, em Olinda.
Quando me vejo absorta diante de algo que me toca – me pergunto o que fazer com aquilo. Parece estranho que a quase única resposta seja: olhar. Mesmo uma fotografia ou uma filmagem não dará conta de traduzir o que se enxerga.
Na insistência em perpetuar o que nos encanta para além do momento em que o encanto acontece, é possível sermos traídos pelo equipamento usado. A vontade de eternizar ou paralisar coisas fugazes, com frequência pode redundar em um arremedo da coisa vista. Pura perda de tempo. Melhor evitar incorrer na tentação.
Uma vez minha irmã me presenteou com uma foto. Retratava um momento especial que eu não sabia ter sido registrado. Foi uma surpresa maravilhosa ter aquele encontro inscrito em um pedaço de papel que trazia minha cara de felicidade. Um recorte da minha juventude. Um amor igualmente ingênuo. Pois era uma conversa com alguém por quem eu estava apaixonada, o alvo do clique.
Atrás da fotografia ou em um bilhete à parte, não recordo, ela alertava: o mais importante da cena não estava na imagem gravada no papel. Mas no que os meus olhos – incluindo aqui minhas sensações, memórias, sentimentos – guardavam.
É com esse ímpeto de devorar por meio dos olhos – incluindo aqui minhas sensações, memórias, sentimentos – que me entrego a algumas vivências em que contemplar parece a única coisa a fazer.
Foi assim no sábado, em visita à feirinha orgânica do Colorado. Sentada, esperando um cuscuz com linguiça e queijo e mais um café preto sem açúcar – deixei meus olhos percorrendo os arredores. Além da cidade enxergada do alto e dos lados, me coube a contemplação de um dos ambientes que mais gosto de frequentar e onde tudo o mais parece sem sentido, a não ser olhar. A feira.
Qual o objetivo de deixar incompleta a fila colorida e cheirosa de potinhos de temperos, ervas, pimentas e sementes? Prefiro ver os embutidos e afins – queijos, compotas, patês, geleias – pendurados em cordas, expostos na banca, a tê-los em casa. O pão artesanal – gosto da conversa sobre fermentação natural, recheios e ponto da massa – que escuto enquanto passeio pelo corredor que leva a dezenas de boxes encantados.
Não comprei nada na feirinha. Sei que seria muito ruim para os produtores se todos os clientes decidissem fazer o mesmo uso do espaço. Desejo a todos eles muitos compradores. Ótimos negócios fechados. Diante das feiras, meus ímpetos de consumo são neutralizados. Substituídos por inebriante desejo de contemplar tudo o que vejo por ali.
Não se pode empacotar uma feira. Guardá-la na despensa de casa. Contemplar é um ato que exige desapego.