DECLARAÇÃO
Quando eu fechei o livro. Senti prazer. O de tê-lo fechado pela última vez. Separavam-me daquela, outras 516 páginas. Devoradas em pouco menos de uma semana. Deixei-me ficar na cama. No torpor daquela sensação.
Perscrutei o último ano. Sim. Houve mais livros do que eu imaginava. Passei-os em revista. Foram em quantidade maior do que conseguira talvez na última década. Quando colecionei inúmeros volumes inacabados. Denunciados por um marcador em página qualquer. Ou uma anotação interrompida em algum lugar do caminho. Antes de percorrido o trajeto que levaria à linha de chegada.
Não entendo como isso aconteceu. Também não posso fazer nada com o que ficou para trás. Posso, sim, recuperar o tempo perdido. E nisso tenho me empenhado. Na verdade, não na busca do que passou. Mas na construção do quero a partir de agora.
Tenho prestado atenção no meu comportamento de leitora. A partir do abrir uma obra e decifrar suas primeiras frases, vislumbrando tudo o que tem pela frente. Isso tem me ajudado a domar a ansiedade. Aliás, descobri que foi por causa dela que parei de ler por tanto tempo.
Era incapacidade. Inabilidade. De aceitar. Percorrer. O passo por passo. Linha por linha. Capítulo por capítulo. Depender do meu próprio ritmo para saber o que vinha depois. Dar tempo ao tempo. Não folhear o calhamaço ainda por decifrar. Não buscar o final antes da hora.
Entrar em um livro é submeter-se a uma espécie de escravidão. É estar vinculada, presa como em visgo, ao que está contido naquelas páginas. Ainda mistério a ser decifrado. A gente quer parar, mas não consegue. Quer esquecer, mas fica pensando. Quer ler mais, mas adormece. É limo. É grude. Foi assim, fisgada, escravizada, que me vi dormindo tarde ou acordando na madrugada. Só para avançar mais um pouco. Foi assim que me vi em lugares variados – da praia à festa.
Livro na bolsa. Disponível para preencher quaisquer intervalos. Em filas. Esperas. Silêncios. Ocasos.
Ensina sobre paciência, a leitura. Sobre determinação. Entrega. Um resultado que só depende de cada um. Uma vitória em cujo pódio se sobe o tempo inteiro. Competição sutil. Quase inexistente. Com as palavras. Com o autor. Com as interpretações. Consigo.
Um adentrar em outras vidas. Aprender com elas. Sofrer. Torcer. Amar. Odiar. Por outros olhos. Incorporar, sem perceber, tanto do que não é seu. Até sair da imersão, modificado, renovado. Mesmo sem saber o que se era antes. O que mudou agora. Mas empunhando a certeza da mudança.
Um adentrar em outros chãos. Tocar seus ladrilhos. Buscar suas direções. Conhecer seus cheiros. Reconhecer seus esconderijos. Até sair da imersão, modificado, renovado. Mesmo sem saber o que se era antes. O que mudou agora. Mas empunhando a certeza da mudança.
Quando eu fechei o livro. Senti prazer. Descobri-me dependente. Declarei-me leitora.
