Quando as coisas parecem sem sentido, tento me convencer de que existem/aconteceram para dar/deixar uma lição. É por isso que dediquei alguns minutos das minhas reflexões na busca de extrair a mensagem subliminar de algo ocorrido pouco mais de 7h de hoje. Falar sobre o horário me fez lembrar que essa variável me intriga. Não acho justo que algumas coisas se desenrolem em pleno início de manhã. Morrer assim, cedo? Não gosto. Acidente de carro? Nem pensar. Por isso, não gostei desse algo ocorrido pouco mais de 7h de hoje.
Outra predileção minha é desenovelar enredos. Vejo o seu início apontando bem antes do clímax das ocorrências. O acontecido de hoje teve início quando virei, quase de supetão, na primeira entrada à direita. Para pegar o eixinho de baixo? Não tenho certeza se essa denominação está correta. Já tinha decidido que ia por outro caminho (eixinho de cima?). Mesmo com o trânsito mais intenso, parecia ser mais curto. Desisti de última hora e mudei a rota, aproveitando a pista praticamente vazia do eixo escolhido, para esvaziar os pensamentos.
Não estava com o acelerador cravado na velocidade da via, como costumo fazer. Ia mais rápido. Mas percebi quando um carro que estava na faixa ao lado, porém um pouco mais adiante, freou. Não consegui saber a razão e, diante do mistério, decidi fazer o mesmo. Freei um pouco. Logo o motivo do outro carro para fazê-lo se descortinou.
Surge um homem do nada, corpo sujo, roupas em farrapos, rosto ensanguentado e galho de árvore derrubado por chuva (imagino) na mão. Escapou de ser atropelado pelo carro ao lado e veio para as minhas bandas. Veio mesmo. Caminhando.
Ele não queria simplesmente atravessar a rua ignorando o fluxo dos veículos. Vagueou. No susto, fechei o vidro. Não sei se foi melhor ou pior. Ele arrastou o galho pelo carro, parou na minha janela, gritou coisas ininteligíveis e deu murro tão forte que me serviu como o famigerado método de tortura ‘telefone’. Até agora o gesto faz meu ouvido esquerdo zunir.
Atônita, consegui sair sem riscos de machucá-lo ou fazer acontecer um acidente se, por ventura, um outro carro estivesse atrás. O gesto agressivo me feriu como se na carne. Olhei para o banco de trás. Minha filha parecia tão assustada quanto eu. Perguntei se estava bem, ela apontou para a mão de visgo, gordura, sangue e atrevimento que permanecia inscrita na janela. Não soube bem o que dizer. Não queria isentar o homem de sua (ir)responsabilidade. Não queria dizer que o mundo era bom, belo e justo. Queria esculhambar aquela pessoa. E queria chorar e gritar pela instabilidade causada.
A pequena queria saber a razão daquilo. Eu não era oráculo para tanto. Segui me recuperando da tremedeira e da raiva. Sim, senti muita raiva. Todo o meu astral matinal, as boas energias, suprimidas. Convidei minha filha para rezar. Por nós. Por aquela alma errante.
A lição, depois de muita boa vontade em descobrir uma, foram na verdade duas. Primeira. Aquele entrevero não seguiria comigo o dia todo. “Deixar ir”, repetia mentalmente. Segunda. Pensamentos não devem ser esvaziados no trânsito. Nele, toda atenção é pouca. Eu devia estar mais atenta. Agora me ocorreu que, se tudo tivesse acontecido no meio da tarde, talvez não tivesse o mesmo impacto. Mas uma treta dessas pouco depois de 7h? Ninguém merece.