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O CAFÉ DA MANHÃ

Queria saber, afinal, por que não tomei café da manhã em casa. Ao invés disso, enfiar o prato com mamão cortado e aveia em cima, na geladeira, foi um dos últimos gestos, antes de bater a porta e sair apressada. Mamão com aveia é prescrição médica. Tudo com aveia. Chia. Linhaça. Para que o açúcar se demore mais a virar ele mesmo. O prato principal tem sido tapioca. Com gergelim. Podia ser também uma fatia de pão integral e mais uma de queijo branco. Não tinha goma. Nem pão. O pão, tenho evitado mesmo. É coisa que adoro. Que não me dou limites quando está a minha frente. Ando pensando muito naquele integral que peço para ser fatiado na padaria de origem francesa no começo da Asa Norte. A goma, foi jogada no lixo. Junto com um tanto de frutas fatiadas, congelados, folhas e frios. Pela terceira vez esse ano, havia chamado o conserto para a geladeira. E a empresa pediu que eu desligasse o aparelho. E o moço marcou dia e horário. Mas não apareceu. Quando, enfim, chegou, encontrou-a vazia, como imagino que gostaria que estivesse – para facilitar seu trabalho. E eu, em plena Semana Nacional de Combate à Perdas e Desperdício de Alimentos, via meus suprimentos e, em primeiro ou último caso, meu dinheiro, ir para o lixo. Perguntava-me por que não tomei café da manhã em casa, depois de servir a entrada, no restaurante do trabalho. Duas fatias de mamão – sem aveia – e três triângulos de abacaxi. Era a segunda vez que comia isso na mesma semana. Era a segunda vez que via uma peça metálica, aparentemente inútil, que encimava a garrafa de vidro onde o mel estava servido, cair sobre o meu prato, enquanto fazia o movimento de ornar o abacaxi com ele. É receita de xarope. Melcaxi. Era também algo que aprendera a comer na casa de uma amiga do colégio, Raíssa, e que nunca desaprendera. Por que, afinal, alguém não retira de circulação essa pecinha aparentemente quebrada ou descolada? Em quantos pratos ela já caiu hoje? Quantas caras desoladas não vieram depois? Cheias de culpa (quebrei o troço), cheias de busca por habilidades (para recolocá-lo no lugar face à descoberta de que estava frouxo mesmo). Já não havia muito tempo, mas fiz questão de comer as frutas primeiro. Sem misturá-las a nenhuma outra opção salgada. Brinquei que estava em um hotel. De férias. Verão. Muito chique. Comendo lenta e prazerosamente – como gosto. Enquanto isso, me detive a olhar para as outras pessoas. Mamão com tapioca. Manga com salgadinhos. Abacaxi com pão. No mesmo prato abarrotado. Queria saber, afinal, por que não tomei café da manhã em casa. Respondi que não quando o garçom perguntou se eu queria algo para beber. Não costumo consumir líquidos junto às refeições. Falo de suco, água ou refrigerante. O golinho de café do qual não abro mão, tomaria depois, na copa das mulheres risonhas, que me saúdam com muita animação e aconchego. Eu sempre quis perguntar no canal direto de relacionamento por que não serviam cuscuz. Item tão obvio para compor desjejuns. Mas seria a segunda vez na semana que eu me serviria dele. Da última (que foi também a primeira), concluí que era misturado à maisena ou algum outro produto para dar liga. Eu achava desnecessário. Mas fazer o quê se nem todo mundo é paraibano ou nordestino? Aproveitaria a mensagem para solicitar manteiga. Cara, margarina é coisa condenada. Cobrassem por porção. Aumentassem o valor do quilo. Mas, por favor, nos oferecessem manteiga. Para acompanhar, escolhi ovo. E iscas de frango. Mais uma vez enredada pela memória afetiva, lembrei das comidas de casa. Aquela casa. Em Campina Grande. Bodocongó, o bairro. Achei pesado. Estranho mesmo. Qual a razão do franguinho descolorido no meu prato, tão cedo da manhã. Já sei. Ele foi transformado na carne de bode, na galinha de capoeira cheia de molho. Eles acompanhariam o cuscuz se eu estivesse em casa. Aquela casa. Comi quase tudo. Enquanto me perguntava por que, afinal, não tomei café da manhã em casa. Mas uma coisa eu sei. Escrevo isso tudo. Assim. sobre o que comi e sobre o que me passava pela cabeça enquanto o fazia. Por estar sugestionada pelo livro O Jantar (Herman Koch) que eu degustava enquanto tomava café da manhã e me perguntava a razão de estar ali. E não na minha casa. Aquela casa. A minha. Em Brasília.




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