Ontem, (29/10), foi o Dia Nacional do Livro. A data costumava ser lembrada a partir de uma citação de Monteiro Lobato. “Um país se faz com homens e livros”. Mas desde que o autor passou a ser identificado como racista, sua frase caiu em desuso.
Creio que neste 2018, o Dia Nacional do Livro foi reverenciado com 24 horas de antecedência. Pelo gesto voluntário de eleitores. Saíram de casa, no domingo, dia de votação de segundo turno, rumo a suas sessões eleitorais, com um livro na mão.
Era mensagem silenciosa. De paz. Um pacto, via Internet, para a demonstração de apoio ao candidato à presidência, Fernando Haddad, dias antes, tinha alardeado o mote: "Gostaria que todo brasileiro tivesse um livro na mão, uma carteira de trabalho assinada na outra". Proposta de governo.
Foram centenas, milhares ou milhões de adeptos. Vi alguns deles. Dediquei um bom tempo na observação das fotos postadas nas redes sociais pelos eleitores identificados com a proposta do livro na mão.
Fui solicitada a registrar a imagem de uma mulher e seu livro. Esforcei-me em buscar bons ângulo e iluminação. Ela pediu o favor, explicou, por eu também empunhar um livro. Não havia riscos. Estava indo embora quando perguntou: qual o seu? Virei uma coletânea de artigos intitulada “Racismo no Brasil”. Ela me mostrou “A ditadura envergonhada”, de Elio Gaspari.
E assim foi que vi conhecidos e desconhecidos felizes ao empunhar sua arma/livro diante de câmeras de celular. Fiquei pensando sobre a escolha dos títulos. Cada um procurou passar uma mensagem por meio deles. As crianças seguiram o gesto dos pais, carregando publicações infantis. Havia orgulho nas cenas. E talvez o último sorriso sincero daquele dia.
Mas o caso é sério. O Brasil tem cerca de 11,8 milhões de pessoas analfabetas (IBGE/2017) e mais 29% da população composta por analfabetos funcionais (de acordo com dados do Ibope Inteligência). Em média, 2,3 livros são lidos por ano (Instituto Pró-Livros). O preço médio de um livro no primeiro semestre deste ano foi de R$ 44,47 (Nielsen). O país possui uma biblioteca púbica para cada 30 mil habitantes, em média. E 112 cidades sem uma (IBGE).
A ideia de um livro na mão é ousada. Para se realizar, necessário investir na educação, tirar milhões do analfabetismo e seus subtipos, oferecer um salário mínimo capaz de garantir, além do arroz e feijão, papel e palavras. Diminuir, também, o déficit de bibliotecas públicas. Muita coisa mesmo a ser feita. Para o livro na mão ser universal. E fazer o mesmo sentido para todos.
Que seja posta em prática. Senão, o livro fica como é. Passarela virtual entre o abismo de quem consome o produto e quem não tem a menor possibilidade de fazê-lo. Senão, o livro continua no papel. De de colocar alguns em um panteão e outros, largar humilhados, por não querer/poder/conseguir vencer o caminho que os levariam ao outro lado.
No domingo, 28, livro não mão e na foto, me senti tomando um café na casa de tanta gente, a bisbilhotar suas prateleiras – coisa que adoro fazer – para saber um pouco mais de cada um a partir de suas escolhas literárias. E assim foi que vislumbrei o livro como ponte. Como rede. Social. Em todas as mãos brasileiras.