Estive com a jornalista e escritora Ana Holanda, em São Paulo, no curso Cozinha de Memórias, ministrado por ela. Ao final, comprei seu livro de crônicas, "Minha mãe fazia", sobre cozinha e afeto. Na apresentação da obra, Ana alerta. Ou convida. Para a viagem que se fará. E aconselha: Leia, sinta, se apaixone novamente, deixe a saudade bater, a emoção chegar, a fome alardear e pontuar que, talvez, seja hora de parar e preparar algo na cozinha.
Estou ainda nas primeiras páginas e já interrompi a leitura um sem-número de vezes para processar tudo o que vem nas suas adjacências. Em nossa casa, na Paraíba, lugar de doze filhos e muitos agregados, a comida nunca passou despercebida. E nem as mãos responsáveis pelo seu preparo. Mas a impressão que tenho agora é de que nunca nos dedicamos a entender ou processar a importância da mesa farta na nossa vida.
Por isso, aproveito os ladrilhos colocados por Ana e tomo o tempo de, entre uma palavra e outra, deixar que venham minhas memórias. Nesse caminhar, faço anotações.
Sentimentos, palavras, pratos e pessoas vêm chegando. Não quero perder nada. Botar a mão na massa se faz necessário. E vejo a cara de Marcelo. Entre diante de uma obviedade e de um susto. – O da minha mãe. Ele respondeu.
Falávamos sobre a minha restrição ao açúcar e chegamos a sua sobremesa preferida. Pudim. Eu perguntei, então, se havia um pudim. Um lugar. Uma pessoa responsável pelo que considerava ser o melhor entre todos.
Quando ele respondeu, eu achei mesmo que tinha estado cega para o explícito. Tinha que ser o pudim da mãe o escolhido. Bobagem a minha considerar que podia ser o de uma rede de docerias. Ou um com toque misterioso degustado em viagem ao exterior.
Quis assuntar mais detalhes. Algo sobre toque especial. O pulo do gato. A diferença entre todos os pudins. E o da mãe dele.
Antes que saíssem as palavras, percebi que já tinha a resposta. A receita de uma mãe é soberana. O fato de ser a escolhida não tem relação com ingredientes. Tempo de preparo. Textura. Sabor. A hora do dia. Ou o dia da semana. Em que é preparada.
Ela é a mais saborosa. Ela faz os olhos se fecharem na evocação de nuances. Não se reduz ao prato. Ao resultado final. Muitas vezes não será degustada de novo – quando falamos de mães ausentes.
Tem relação com o lugar a que chegamos – só de pensar nisso. É teletransporte. Para tempos cronológicos e internos. É quando se é criança. É quando a família estava completa. É quando se sorria com mais facilidade. É quando os cheiros serviam de relógio. É quando o futuro era palavra. É quando a esperança ainda não está entrecortada por nenhum outro sentido de realidade. É bagagem de mão, que se leva junto ao corpo em qualquer viagem. O pudim da mãe de Marcelo é ponte. E ponto. De chegada. E de partidas.
Como escreveu Ana Holanda na dedicatória do meu exemplar, "comida nunca é só comida.