Mariana acordou assim. Querendo abrir a janela. Debruçar-se no parapeito. Perder os olhos no que estivesse adiante. Ela desejava que a paisagem fosse pouco convidativa. Dia cinza. Nuvens prenhes de chuva vindoura. Raios iluminando distâncias. Trovoadas daquelas de fazer tremer. Queria, ainda, que a poucos metros da sua, houvesse inúmeras janelas. Apertadas umas nas outras, por onde pudesse enxergar vidas tediosas e sem sal. Crianças chorando. Casais brigando. Velhos solitários sem passado para por em revista. Desmemoriados.
Mariana acordou assim. infeliz. E desejou que o mundo todo se sentisse do mesmo jeito. Seria bom encontrar iguais onde estivesse. Era alentador imaginar que naquele instante não havia um sorriso, muito menos uma gargalhada ecoando. Sentia alívio por supor que não havia casais trocando juras (Mariana sabia que elas não significam nada. Ou, se houvesse algum significado, duraria pouco). Ela se satisfazia com a ideia de não haver sequer um abraço sendo trocado. E se houvesse, era distante, sem encontro, sem calor, sem entrega. Mera formalidade. Logo caída em desuso.
Mariana acordou assim. Doída. Cabisbaixa. Sentindo dores nas pernas. Cansadas, decerto, de carregar tantas falsas esperanças. Ombros curvados – estava sobre eles todo o peso do mundo. Olhou o relógio. Mas nem precisaria ter olhado. Para saber que era madrugada. Quase amanhecer. E que ainda teria que desbravar horas a fio. Todas indiferentes a sua necessidade. De abrir a janela.
Mariana acordou assim. Apática. Vazia. Pálida. Esverdeada mesmo. Faltava-lhe sangue nas veias. Caminhava como zumbi. E mesmo assim porque se via obrigada a fazê-lo. Por ela, viraria fantasma. Atravessaria paredes. Se fundiria aos corpos desejados ou odiados. Nos primeiros, sentiria prazer. Nos segundos, causaria dor. Invisível, não teria obrigações a cumprir. Palavras para cuspir. Gestos para açoitar.
Mariana acordou assim. Silêncio. O que haveria de falar, então? Todas as palavras. Incendiárias. Estopim de bomba. Nenhum dicionário continha o verbete que descrevesse como Mariana acordou. Sem palavras. Boca fechada. Para não entrar. Nem sair. Nada. Tão vãs como descritas pelo poeta. As palavras.
Mariana acordou assim. Incrédula. Desconexa. Indiferente. Lerda. Burra. Não alcançava o significado das coisas. Nem era por ele alcançada. Ouvidos moucos. Raciocínio lento. Não faria esforços para juntar lé com cré. Não faria esforços. Estava mole. Quase desmaiada. Sem firmeza. Não responderia o que fosse perguntado. Estava processando. As informações. E todas pareciam igualmente desconexas.
Mariana acordou assim sem achar graça em nada. Piada sem liga. Comida sem sal. Insípida. Inodora. Incolor. Água de nascente. Jorrando incontida. Mariana acordou assim. Sem vida. Capítulo sem nome. Poesia sem rima. História sem final.