- Fale. Você não fala nada. Seu silêncio me maltrata.
Foi o que me falou Edilson. Agorinha mesmo.
Eu ri. E sem muito a dizer, consenti.
-É. Muita gente reclama que eu não falo. Não falo muito mesmo (e aí dei uma duvidada da afirmação e fiquei lembrando de cenas em que me via tagarelando sem parar). Sabe o que eu faço? Eu escrevo. Passo o tempo todo escrevendo - no juízo.
Ele não gostou de saber. Queria conversar. Estava agoniado. Buscando um interlocutor daqueles prontos para discorrer, com a (im)precisão da voz das ruas, sobre as notícias quentes do momento.
Para ele, eram duas. A possibilidade da soltura do ex-presidente Lula e a quantas andava o resgate dos estudantes presos em uma caverna, na Tailândia.
Eu, absorta com o que corria por dentro, nas linhas que digitava em silêncio, fazia do próprio Edilson meu assunto interno.
Ainda arrisquei:
-Me conta uma história.
Ele foi a primeira pessoa que não saiu com uma resposta na ponta da língua. Perguntou sobre o quê. E eu, sem querer influenciá-lo, porque gosto do efeito surpresa na reação das pessoas e em como isso se reflete na narrativa que vem a seguir, disse, com vaguidão, que escolhia o freguês. Tema livre.
Ele não gostou de saber. Não tinha história para contar. Que o assunto interno dele hoje eram só esses dois. E que precisava de alguém para conversar sobre. Alguém que falasse mesmo. Que não viesse com poucas e, muito menos, meias palavras.
Eu até achei triste isso de querer falar dos assuntos do dia e das angústias provocadas por ele e não encontrar ouvidos.
Consciente de que não poderia ajudá-lo, saí pensando nos poderes mágicos de Edilson. Há tempos me ocupo disso. Gosto de revoluções silenciosas. E acho que ele é um revolucionário. Desde a forma como nos cumprimenta (com sorriso e bom humor que não findam), até como se relaciona com o seu entorno e com as pessoas que circulam por ele.
Compreendi que Edilson é alguém que se importa (assim sem complemento) - porque o olhar dele é amplo - inclui coisas e pessoas. Barro e carne e osso. Alguém que faz desse sentimento, desse sentido de visão aguçada, muito mais do que assunto para conversa. Ele age. E, agindo, faz a diferença.
Era um texto sobre isso que escrevia mentalmente, quando ele me acusou de silêncio. Eu dissertava sobre estar encantada com mais uma novidade de Edilson.
Uma pessoa sobre a qual não sei nada além do que sua postura no trabalho. Empreendedor incansável, ele faz do trailer que comanda na Esplanada dos Ministérios, espaço para inovações, experimentos, criatividade. Mimos com os quais nos presenteia sem trégua.
Naquele dia, havia mais uma surpresa. Era outro toque pessoal a fazer diferença nos domínios do seu negócio. Há não muito tempo, o lugar não passava de um terreiro, poeirento ou lamacento, de acordo com o clima da cidade, a dobradinha seca e chuva.
Hoje, oásis no deserto. Paisagem boa para recostar os olhos. Um nicho de beleza em meio a um gramadão desprovido de atrativos. Ali, na quebrada de Edilson tem jardim, canteiros de ervas, mesas, cadeiras, bancos, enfeites. Tudo com material recolhido da própria natureza. Reaproveitado. Construído pouco a pouco por suas próprias mãos, João de Barro que ele também é.
Desde esta manhã, o jardim passou a ter livro. Pilhas de obras de literatura. Para levar para casa ou ler ali mesmo, segundo ele.
Paralisada, eu não acreditava em mais aquele insight de Edilson. Aquela vontade de compartilhar, de somar, de expandir o que há de bom e de belo. Fiquei imaginando o que resta acontecer no espaço encantado criado por ele.
Aquele pedacinho de chão tem muito potencial ainda. E tem Edilson. Para a nossa sorte, alguém que se importa.