Eu estava sem bateria. E sem carregador. Esquecido que fora na mesa de trabalho.
Ele queria falar mais. Eu também. Comecei a buscar nas gavetas alguma coisa que fosse um ou que fizesse as vezes. Tipo um cabo.
Barulho de gaveta abrindo e fechando. Papéis e miudezas sendo revolvidos.
Em que momento todos aqueles fios e parafernálias eletrônicas sumiram da minha vida?
Tudo bem que já não sabia o que fazer com eles. E os transportava de lá para cá torcendo por um chá de sumiço tomado por cada um, sem que eu precise gastar pensamento sobre que bom futuro poderia lhes reservar.
Descobri naquele instante não estar preparada para a materialização do desejo.
Minhas mãos afoitas. Meus pés apressados. Percorriam todos os espaços possíveis de abarcar objetos do gênero. Não havia nada. Quando havia, era parente distante. Com saídas outras. Com desencaixes gritantes.
Eu também não estava preparada para passar uma noite sem celular. Era cedo. Nem um traço completo era o que eu tinha para enfrentar as próximas horas.
Ele queria falar mais. Eu também.
Qualquer palavra ou desperdício dela – como num suspiro, um bocejo, um titubear, uma dúvida sobre o que dizer em seguida – representava um grão de areia a menos na ampulheta.
Pretendia ver o filme inteiro – o mesmo que passo dias, semanas, mês inteiro – para concluir. Porque adormeço, esqueço, desleixo. Naquela noite de impossibilidade eu me julgava desperta o suficiente para concluir a empreitada.
E se precisasse falar? E se precisassem falar comigo? E se pela primeira vez eu não acordasse no horário de costume pela manhã – dependente que ficara do despertador. Mesmo que eu nunca precise do seu toque, visto que o antecipo na madrugada ainda rósea.
E se tivesse uma insônia braba e precisasse deslizar olhos e dedos sobre a vida alheia até que a minha resolvesse quedar-se ante ao cansaço de um dia inteiro? E de todos os outros. Dias. E cansaços.
E aquele objeto inerte o meu lado na cama? Não fosse a displicência do não repetir o gesto diário de guardar o fio na bolsa ao encerrar o horário de expediente, ele demonstraria coração pulsante. Luz forte. Sons para alertas de todos os tipos. Passaporte para qualquer lugar. Entrada para passear por qualquer vida que não fosse a minha, por tempo indeterminado.
E se? E se? Bobagem. Há tempos aprendera que não era produtivo basear as coisas nos “se”. Que eles não existem. Como não existe culpa. Nem livre arbítrio. Aliás, livre arbítrio acho que existe. Como a escolha. E a autorresponsabilidade. Confusa ainda na vivência dos conceitos.
Ainda não acreditava que todos aqueles fios e parafernálias eletrônicas tinham sumido da minha vida. Continuava vasculhando. Enquanto escorria outro grão de tempo.
Achei. Tchau. Boa noite.
Adormeci. Como quem não precisava de mais nada. Só descansar daquele dia. E de todos os outros.