- Mãe, acho que as pessoas pensam que eu não sou sua filha.
- Por que?
- Porque você é marrom. Mas não tem problema. Eu sei que você é minha mãe. Mas se eu fosse adotada, iria te amar do mesmo jeito.
- Deve ser o que elas pensavam quando viam eu e sua avó juntas. Só que ela é que tinha a pele clara. E sobre ser adotada, não há diferença. Não é preciso dizer a palavra. As pessoas são filhas. E mães. E pronto.
Em outros tempos, o diálogo com minha filha de quase oito anos iria me exasperar. Mas me sinto cada vez mais pronta para recebê-lo com leveza.
Isso não é segredo. Nem tabu. Nem palavra proibida. É o que é. Somos o que somos. Simples assim. Termos a cor da pele diferente já não me assusta.
Quando nasceu, a enfermeira que a pôs no meu colo disse: - Mãe, sua Morena é rosa.
Um pouco mais tarde, outra profissional da saúde falou: - Ela é sua filha enquanto estiver no peito. Depois, você será considerada a babá.
Refleti que não haveria problema. Mas me jogou na cara o tratamento que as babás recebem. Nos parquinhos, nos restaurantes, lugares públicos. Situações onde não há diálogo. Troca de experiência. Olhos nos olhos. E até respeito.
Se eu estiver com a filha, acompanhada por qualquer um de pele mais clara que a minha, as pessoas se reportam ao outro, mesmo sendo eu a pessoa que fala. A resposta não vem para mim. Mas para a “mãezinha”, que nunca sou eu. Isso é de uma pequeneza que nunca cheguei a entender. E, por sorte, parei de tentar fazê-lo.
O ponto de virada veio quando percebi que começava a evitar sair sozinha com a pequena. A delegar ao pai as missões externas. Por outro lado, ao estarmos os três juntos, uma tranquilidade me invadia. A família legitimada pela cor da pele do meu companheiro de então. E livre do estigma. Podia fazer meu papel de esposa, mãe e de exercer a profissão que tenho.
O confronto final veio com a separação do pai de Morena. Agora, éramos nós duas.
Ou eu encarava o mundo lá fora/cá dentro, ou estaria condenada a um confinamento irreversível. Encurralada por paredes de certa forma invisíveis. O inimigo estaria em todo o lugar. E vencê-lo seria algo maior do que minhas forças.
Decidi lutar. Não pensando em cada julgamento ou pessoa com quem pudesse cruzar, e que veria em nós qualquer coisa que não fôssemos.
Venço as amarras internas. Grito-me negra, parafraseando Victoria Santa Cruz.
Insiro nas nossas vidas a questão racial. Mostro Manoel Barbosa, meu pai preto. Mostro Maria Barbosa, a mulher de pele clara que me pariu. Falo de misturas. Da família do pai.
É o que é. Somos o que somos. E, sim, sou a babá da minha filha.