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LÁGRIMA NÃO É ÁGUA

Ela me conta que chorou.

Não sabe por quantas horas.

Pior. Não sabe o motivo.

Lágrima não é água.

É instrumento de cura.

Eu mesma permiti que vertessem sua varredura sobre o meu rosto.

Foi essa semana.

Deixa essas lágrimas correrem. Levarem escorridas as tristezas. Sabidas. E escondidas. Até de você.

Eu mesma chorei essa semana.

Na esperança de que fosse a última vez. Por aquele motivo.

Na crença de que lágrima não é água. É instrumento de cura.

Chorei pelo engano. Pela solidão. Pela cadeira com três pernas. Manca. Faltosa. Sem utilidade. Que naquele momento me pareceu ser cuidar de uma cria. Sozinha.

Repassei os planos.

A cadeira claudicante.

As palavras de então não me diziam isso. Nem sequer me faziam antever o futuro.

Chorei com inveja dos comerciais de margarina.

Acho que nem existem mais. Margarina foi decretada como veneno. Para a saúde.

Assim como são as ilusões. Veneno.

Invejei os casais longevos. Que acompanham no café da manhã o crescimento dos filhos.

Que ouvem suas histórias. Ao vivo.

Chorei. E permiti as lágrimas. Porque queria que fosse a última vez.

Cura definitiva. Sem retorno. Reincidência.

Em algum momento chorei até pelo motivo daquelas lágrimas.

Era minha fraqueza. Meu engano. Minha solidão materna.

Era minha necessidade de ser tudo. E todas. E ainda faltar para mim. Eu me preciso.

Mas não tenho tempo. Nem disposição.

Na minha hora tenho sono. E durmo em meio aos planos do que iria fazer agora.

Luz acesa. Livro aberto. Computador no colo. Cabeça fervilhando.

Roupa para passar. Poeira para ser tirada. Pratos na pia. Compras para fazer.

Contas a pagar.

O horóscopo jogando na minha cara que preciso aprender a lidar com a vida material.

Ora, se sobrevivi até aqui, devo saber algo. Ou não.

Não me diga o que eu preciso.

Deixe que eu me entenda com o engano. Com a solidão. Com a minha falta de mim.

Vinho que respinga. E suja a roupa. Dia de racionamento. A mancha vai ter que esperar.

Não. Deixe que saia.

Lágrima é água.

Que limpa.

Instrumento de cura.

Que nunca mais se chore pelos motivos de hoje.

Que sejam limpos. Varridos. E lustrados.

Que a janela aberta deixe entrar o novo.

E que ele nos pegue polidas. Enceradas.

Que escorra por nosso corpo todo o engano. E solidão.

Que nunca mais se chore pelos motivos de hoje.


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