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O SONHO

Quando ela me contou, senti a emoção de ouvir algo tão impossível quanto surpreendente. E se cultivava aquele sonho – e tinha a coragem de verbalizá-lo – quem era eu para duvidar de que fosse exequível?

Ao contrário, nada me pareceu tão real quanto ele. Pensei no poder da palavra que sucedia a força do sonho. Ela me confidenciou seu desejo maior e bastou isso para que perdesse sua aura de fantasia e tomasse, aos meus olhos, contornos visíveis. Palpáveis.

Sequer precisei fechar os olhos para imaginá-la dona de si. Com a cara de autossuficiência e plenitude exibida apenas em caso de realização de sonhos.

Se para ela ainda era quimera, para mim era fato. Dos mais bonitos. Sequer precisei fechar os olhos para ver suas cores. Mistura harmônica de primárias em paleta única. Mágica. Incandescente.

Se para ela não tinha acontecido ainda e a vontade estava em um tempo verbal que não encontrava paralelo na gramática – futuro do futuro do nunca vir a ser – ou algo parecido, isso lá era com ela. Comigo já era mais que presente. Também um tempo verbal sem paralelo na gramática.

Porque a gramática não é só uma. As regras não estão todas ditas e colocadas. Há as personalizadas. Pronta entrega. Sob medida.

Ela tinha uma. Para encaixar suas palavras. Ajustar o tempo de seus quereres. Varrer do mapa os advérbios de dúvida. Fazer do mapa um lugar de advérbios de afirmação. Sim, perfeitamente, pois sim, positivamente, efetivamente, certamente – eu podia enxergá-la revestida pela concretude do que fora fantasia.

Se para ela depois do segredo ter sido revelado, fez-se silêncio, para mim havia som. Música. Canção. Melodia. Trinados nada antagônicos. Encontros de notas miúdas com graves e agudos. Uma orquestra em ação. Lirismo a plenos pulmões.

Se para ela revelar-se equivalia a uma nudez descarada seguida por pudor, eu a via vestida em traje de gala. Digna de tapete vermelho. Capa de revista. Lançando tendências. Tecido delicado. Finíssimo. Fibras naturais. Uma riqueza.

Se para ela cada passo significava pisar em terreno desconhecido, fragilidade infinda na planta dos pés, eu enxergava a força de sua pisada. Vislumbrava o caminho percorrido. Antecipava-o.

Os pulinhos sutis podiam enganar. Não a mim. Pois enxergava neles a capacidade de levar adiante. Para longe. Sobre tudo. Abrir perspectiva. Mudar o referencial.

Abrir asas. Saltar no abismo.

O voo. Pleno.

“Meu sonho é ser passarinho. Poder voar”.

Se para ela o sonho era engraçado e precisava de explicação, aos meus olhos sequer existia como possibilidade.

Ouvi o farfalhar de suas asas.

Fechei a janela para garantir que não voltasse.


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