As lembranças voltam. Nunca se foram.
Preenchem.
Como o contrário da ausência. Ou como se ela nunca tivesse tomado o lugar da presença.
Alguém parte. Morte. Física. E esse alguém não parte. Vida. Etérea/eterna.
Alguém tão amplo, pleno, sábio, sereno que saiu com discrição das vistas para nunca mais se afastar. Para ser evocado, citado, lembrado. Para ser companhia perene. Para ser buscado como conselheiro. Para nos abraçar como mestre. Para silenciar como perspicaz.
Para sorrir como acima do bem e do mal. Para nos olhar de cima como quem tudo sabe.
Um Deus humano que viveu com sabedoria. Que plantou as sementes de uma vida leve e deixou inscrito em nossa alma o manual para se alcançar o mesmo patamar.
Mas somos miúdos. Como semideuses padecemos. Vertemos lágrimas.
Verbalizamos impropérios. Não damos vazão aos nossos dons. Nos preocupamos com picuinhas. Brigamos hoje, ontem e amanhã – mesmo sem sermos amigos.
Não valorizamos o passado. Não guardamos memórias – recortes de jornais, livros, citações. Não estamos atentos às notícias. Não fazemos piadas. Não silenciamos.
Não olhamos por cima dos óculos com desconfiança ou um sorriso miúdo. Não temos as palavras certas nas horas certas. Gastamos mais do que ganhamos. Não consultamos o dicionário. Não escrevemos cartas e bilhetes à mão.
Não ouvimos/lemos/vemos as sutilezas. Não chamamos ninguém nos cantos para longas conversas cheias de parábolas, reminiscências e bom humor. Não somos, afinal, espirituosos.
Não aparecemos elegantes e cheirosos dizendo que estamos desarrumados. Não criamos trocadilhos. Não aconselhamos a leitura. Fosse qual fosse. Mesmo que bula de remédio.
Não discutimos política. Não acompanhamos os cenários internacional, nacional, local.
Não amassamos o dinheiro no bolso como se isso fizesse com que rendesse mais.
Pareceu dar certo. Nunca faltou. No limite de sua crença de como devia ser – ganho com honestidade, com o suor do rosto. Usado com parcimônia. Para nunca faltar.
Eram suas características. Com as quais convivemos. Das quais desfrutamos.
As que não nos saem da memória.
As que evocamos como cetro de poder em momentos de perigo e fragilidade.
As que nos orgulham. Presenteados pelo destino.
Ter um pai assim.
Cuja elegância perpetua-se na ternura de nos deixar tanto como herança.
Valores e ensinamentos com o poder de nos elevar a uma altura tão grande como a que alcançou.
Estão em alfarrábios internos de matéria que não se gasta. Nem amarela.
Oferta de alguém que não partiu. Não partirá jamais.
Manoel, o audaz.
Dois anos sem sua presença. Física. Dois anos alimentados por amor e exemplo.
As lembranças voltam. Na verdade nunca se foram.
Preenchem.
Como o contrário da ausência.
Ou como se ela nunca tivesse tomado o lugar da presença.