A rua do apartamento onde estou hospedada, em João Pessoa/PB, mudou de mão.
E lá se foi o trabalho de quase uma vida inteira tentando decorar os pontos de referência. Buscando inserir no GPS cerebral a rota certa dos caminhos possíveis.
Não que tivesse conseguido isso algum dia. Mas acho que cheguei perto.
Especialmente no ano em que morei na cidade e fiz do endereço da minha irmã, o mesmo onde estou hospedada agora, o meu segundo lar. A visita diária. O porto seguro.
Mesmo nesse ano não foi de todo tranquilo acertar. Já não lembro se o percurso em algum momento foi percorrido de forma natural ou se ficava vidrada nas placas, nas lojas, em tudo o que tornasse o chegar mais certeiro. Até arrisco que a segunda opção vigorou.
De volta, depois de quase dois anos, pensei que conseguiria reunir os cacos de memória e chegar . Na verdade, fazer com que os motoristas que me levavam, chegassem.
Não contava que o trabalho de quase uma vida inteira pudesse ser varrido do mapa de uma hora para outra. Com a simples mudança do trânsito. Rearranjo em faixas e placas – afazer de algum engenheiro buscando melhores soluções para a mobilidade da capital outrora tão interiorana.
Não sabe, o certo engenheiro, o mal que me fez. O engarrafamento que causou nos meus neurônios. O sinal fechado que impôs às frágeis certezas. A encruzilhada na qual me encerrou quando busquei recobrar o caminho e já não importava o aprendizado anterior que, afinal, nunca recebeu menção máxima nas provas de direção.
Voltei ao ponto de partida.
Atenta, com cara de turista de primeira viagem, grudo o rosto na janela e tento guardar tudo o que vejo e que possa me oferecer alguma segurança de que da próxima vez chegarei com menos dificuldade. Serei capaz de ensinar o caminho.
Não ficarei nervosa e nem me sentindo aturdida pelo confronto com esta incapacidade.
Hoje, de carona com uma amiga, ouvi sua narrativa do caminho. Ela mesma querendo provar que aprendera. Não se perderia. Nem perderia mais tempo do que o necessário para percorrê-lo.
Ótimo. Ouvindo assim, ficaria mais fácil de gravar.
Ouvi sobre lombadas e quetais até perceber (ou criar) que ela dava ênfase à frase final que dava conta que era hora de entrar à esquerda no Carlinhos Bar.
E foi então que falei ou repeti o que penso sobre o lugar. Adoro. Acho lindo. Mas nunca fui. Frisei.
A mim me contenta saber que ele existe. Frequentá-lo é indiferente.
O Carlinhos Bar sobreviverá à minha ausência.
Sinto que sua vocação é sobreviver. Às mudanças da cidade. À nova cara do bairro. Ao fim das casas, do verde, do cenário bucólico tão próximo ao mar.
Não há nada parecido nas redondezas. Talvez nem na própria cidade. Agora tomada por uma modernidade urgente. Restaurantes de nomes e origens estrangeiras. Fechados. Ar condicionados. Iluminados. Impessoais.
Pois o Bar do Carlinhos parece um rancho típico da zona rural. Tem aquele terreiro com estacas segurando o telhado aparente. Deixa chegar o vento. Deixa de fora o sol forte. Bom para abrigar um cabra bom de cachaça (desconfio que não seja recomendado às damas).
O Carlinhos é um pé sujo. Digno dos melhores do eixo Rio-São Paulo.
E isso é muito grande. É o que quero dizer a plenos pulmões a minha amiga. Mas não encontro nela ouvidos muito atentos. “Já te disse isso, né?”
E retomo os argumentos para dizer que se me repito é por que o Bar do Carlinhos...
Dobramos na rua certa.
Ela me deixa ostentando certo orgulho por ter conseguido.
Eu ostento a alegria de ter como ponto de referência e passagem o Carlinhos Bar.
Onde nunca fui. Onde nunca vi ninguém. Nada disso importa. O que importa é que ele esteja lá. E que nunca desista de estar.