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COMO VÃO AS COISAS?

Ela me perguntou ‘como vão as coisas’.

Depois de uma pausa, respondi.

Cansaço.

Mas não era aquilo.

Eu estava cansada.

Mas não a ponto de querer bradar ou resumir (me) a isso.

O cansaço seria minha resposta habitual.

Não naquele dia.

Dali por diante.

Perdeu o sentido.

Na hora de demonstrar, pereci.

Cansaço.

A voz não correspondia. Nem o que sentia por dentro.

Liberdade.

Espaço.

Alegria.

Podia ter respondido.

Mas não consegui.

Dizem que os cuidadores de pessoas doentes entram em um estado de codependência aflitivo.

Não saberiam viver sem a doença do outro. Ela termina por fazer parte ou ser a própria vida.

Se a pessoa melhora ou por algum motivo (ou caso de morte) rompe com o ciclo, o cuidador fica atônito. Sem saber lidar com a mudança. Com a abertura. Com o tempo livre. Com a disponibilidade. Com o fato de saber que ninguém mais depende dele. Exceto ele.

Tem que se refazer. Traçar nova rota. Tem que olhar para a própria vida. A que restou para cuidar.

Senti-me flagrada por esse estado de coisas.

Era como o efeito da inércia.

Segui. Mas estava lá atrás. Noutro território.

O cansaço não refletia o que sentia.

Foi da boca para fora.

Era a resposta que diria. E saiu.

Eu fiquei.

Ao invés de cansaço, liberdade espaço alegria.

Que me pegavam de surpresa.

Havia aquilo em mim?

Ah, não reparei.

Estava em uma sintonia anterior.

Não toda eu. Mas uma parte.

Metade era esforço para transformar o cansaço noutra matéria. Metade era a não percepção de que os objetivos se cumpriam.

A sensação era a de quem cumpria uma meta que exigiu meses, anos de dedicação. Como a busca por um título acadêmico. A preparação de grande evento.

Depois do dia D o não ter o que fazer.

O desejo satisfeito. De onde pula-se para outro. E outro.

Havia paz em mim?

Ah, não reparei.

É simples chegar a esse lugar.

E não é.

É necessário ficar nu – a mercê das intempéries.

É necessário desatar a atadura e girar até ficarem apenas retalhos no chão.

É necessário estado de atenção.

Respiração pausada.

Atenção plena.

Sentir o coração bater. O sangue circular. A dor apontar nos músculos esgarçados.

Parar a máquina mesmo que esteja a plena carga.

Dar um peteleco na primeira peça do dominó.

Desmontar-se.

Cair.

Deixar passar sobre si a enxurrada.

Água cristalina.

Repetir o processo.

Tantas vezes quanto necessário.

Não há garantias de que os efeitos durem.

É trabalho contínuo.

É trabalhoso.

Mas é bom.

Dar-se ao desfrute.

E à consciência.

De responder ‘tudo ótimo’.

Porque se entendeu que a vida não é luta.

É abraço.

É acomodar-se e acomodar obrigações, rotinas, logísticas, nos dias.

É ver nos dias sua beleza.

É leveza.

É coragem.

De pequenezas.

Ter como objetivo tomar um café.

Comigo.

Há algo mais bonito?


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