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TRISTE HISTÓRIA DE UM BEIJO MANDADO

Ela mandou um beijo.

Parecia tão bobo, aquilo de mandar beijo.

Na sua idade não havia mais espaço para mandar beijo.

Já não teria mandado ou dado o suficiente?

No tempo em que mandar beijo era lúcido, válido e inserido no contexto?

Agora, tinha que pensar mil vezes quando sentia vontade de mandar beijo.

Agora ela era herói.

O tempo havia passado.

Acabou o romantismo.

Acabou a ilusão.

Conto de fadas acabou.

O príncipe veio e se foi.

O pra sempre se acabou.

E ela passou para a fase borralheira da gata.

Limpando chão e cama.

Limpando alma.

O baile durou pouco. Devia estar no horário de verão. Bem antes de meia noite a carruagem virou abóbora.

O sapato apertado. Nem conseguiu cair.

Agora não tinha link entre os dois.

Sem rastro. Sem sinal.

A coisa era mais rasa.

E rara.

Não haveria investigação.

Porque se acabou a curiosidade.

Tchau é vazou. Cai fora. Vai embora.

Ela mandou um beijo.

E ainda quer saber a razão.

De não ter contido a tolice.

Ou de não ter visto tolice em mandar um beijo.

O que, afinal, é um gesto sem pólvora ou dinamite.

É que apenas não cabe mais.

Nesse mundo atual.

Ninguém quer beijo, não.

Esquece.

É que ela pensou tanto antes.

E terminou sucumbindo.

Na sua idade não havia mais espaço para sucumbir.

Era para não ter mandado. E pronto. E ponto. Final.

Mas mesmo quando decidiu bem decidido que não mandaria, foi lá e mandou.

Concordou que não deveria pensar tanto sobre uma coisa tão boba.

Mandar um beijo.

Na sua idade não havia mais espaço para mandar beijo.

Tudo é muito grave. E sério. E chato. Desalmado.

Fingimento.

E sonho não realizado.

Faça uma lista, diz o poeta.

Não queria fazer lista.

Já não sabe de sonho, de juventude, do que não foi, nem nunca será.

Só queria mandar um beijo.

Sem passado. Nem futuro.

Sem significado.

Na sua idade não havia mais espaço para coisas sem significado.

Tudo é a ferro e fogo. Marcado.

Tudo sequelado.

Cuidado. Não ultrapasse.

Beijo eletrificado.

Mata.

Morre.

Ah, caralho.

Esse beijo que mandei nem era verdadeiro.

Era falsificado.

Não tinha lábio.

Nem estalo.

Não foi jogado por mãos balouçantes.

Nem por cabeça de lado.

Foi um desenho.

Realidade virtual.

Desinventado.

Ridículo isso de mandar beijo.

Na sua idade não havia mais espaço para beijos pixalizados.

Aprendeu mesmo que beijo é pra ser dado.

Com malícia. Desejo. Bem molhado.

Na sua idade uma coisa puxa a outra.

E da boca se chega a todo lado.

Sinta-se beijado.

Desavisado.


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