Tudo novo de novo.
Se o tempo é esse conceito difuso, não haveria diferenças.
Mas houve.
O dia amanheceu setembro.
Trouxe cores diferentes. E cheiro no ar. E céu mais azul. E sol festivo. E o vento varreu e limpou.
Tudo parecia refeito. Tinindo. Cheiro de limpeza. Sabão e desinfetante. Trabalho de quem vira o mês. Quem fecha a cortina. Dá baixa.
Para recomeçar.
O calendário, alguém virou a página.
Ontem mesmo era agosto ainda.
Hoje o dia amanheceu setembro.
O verde se multiplicou. Se somou. Se dividiu. Ganhou aspectos e tonalidades que um dia atrás não se via.
O dia amanheceu setembro.
O primeiro respiro depois que os olhos se abriram cedo da manhã foi assim de novidade.
Expectativa. Folha em branco. Podia ser tudo. Ou nada.
E só há um dia para encher os pulmões de alegre expectativa.
É o dia um. Primeiro. De tantos. Que se sucedem cansando.
No primeiro todo o fôlego.
Nenhuma gota de suor.
Percurso recém-iniciado.
Bandeira de largada balançando animada.
Eu vejo vir vindo no vento o cheiro de nova estação.
Vai ser primavera já já.
Mas como o tempo é esse conceito difuso.
Já é primavera.
Na estação e no mês e todo dia primeiro e toda primeira vez é primavera.
Tempo de florada. De florir.
Reflorescer.
Explodir em potência o que se guardou. Resguardou. Caiu. Murchou. Gestou.
Da janela puder ver.
A barriguda que há uma semana se exibia pelada despindo minha cortina, hoje estava vestida de gala.
Todinha arbustos. Coisa mais linda.
Roupa nova. Recusou-se a guardá-la para usar depois.
A ocasião especial chegara.
Com os primeiros raios de sol – ainda tímidos e mornos – estava pronta para o baile.
E como dançava.
Mãos dadas. Corpos colados. Coisa de amor e intimidade. Coisa de entrega.
Agosto deixara seus ventos.
Porque o tempo é esse conceito difuso.
E não dava para arrastar assim tanta brisa forte.
Ela ficara.
Como criança agarrada à saia da mãe.
Como quem não percebe o fim dos ciclos.
Como quem não quer ir embora.
Só mais dez minutinhos.
De que valeria partir e deixar a dama sozinha no salão.
Negar-lhe uma última valsa.
Tamanha deselegância só para manter a palavra. Não dita.
Debruçada na janela.
Já é primavera.
Logo virão as chuvas.
Sinto o movimento que as precede.
Não o de agora.
Mas os de anos anteriores.
Depois vem o cheiro de terra molhada sem que tenha caído um pingo.
Ele não cai mesmo.
A chuva daqui não gosta de amenidades.
Vem inteira. De uma vez.
Sem gradações. Nem espera.
Sem aviso prévio.
Não dá tempo de correr. Nem de se proteger.
Sinto o cheiro de terra molhada.
De poeira que cansou de se espalhar.
Do óleo querendo se misturar.
Dos pneus e freios desacostumados.
Vejo a dança da chuva.
Da primeira.
Recebida com gratidão e alivio.
Ouvem-se gritos. Palmas. Música.
Abrem-se garrafas.
A noite fica alta.
Após a primeira.
Afinal.
Já é primavera.