Nordestina.
Junção de Paraíba e Alagoas.
Brasileira.
Sangue preto. Branco. Indígena.
Podia ser italiana.
Gente barulhenta. Movimentada. Unida em torno dos laços familiares.
Somos nós.
Temos fama interna de cultivar o drama.
Na infância, eu era considerada atriz nata.
Não vinha como loa.
Mas como provocação.
Transformava com facilidade pingo d’água em tempestade.
Limão em limonada.
Contratempo em tragédia.
Meu choro passava de uma lágrima a um escândalo em segundos.
Isso nos divertia.
Mas era insustentável a longo prazo.
Hoje tento corrigir esse traço hereditário de personalidade.
Esforço-me a dar às coisas o valor que têm.
Por vezes, nenhum.
Pensei nisso tudo quando me vi segurando uma xícara de café, encostada na porta da sala de convivência da escola da filhota, onde há pouco havíamos entrado em desabalada correria.
Eu estava sorrindo.
Sozinha.
E quando percebi o movimento nos lábios, sorri ainda mais.
Satisfeita.
Lembrei da matéria de capa da revista Vida Simples que sequer terminei de ler. E do convite: “Espalhe bom humor”.
O texto questiona a razão que faz com que “alguns tirem de letra toda a situação (narrada antes) e sigam com o humor inabalado e outros fiquem maldizendo a vida e contaminando todos ao redor”.
Eu me felicitava por fazer parte do primeiro grupo. Pelo menos nessa situação.
Tinha recém-escutado da pequena: “Hoje não é nosso dia de sorte”.
Não aceitei a sentença.
E fiz minha pregação: “Não vamos pensar assim. Essas coisas acontecem. Já passou. O importante é ter calma, pensar em como resolver e seguir. Não achar que aquilo vai dizer como vai ser o resto do nosso dia”.
Ela concordou.
Eu também.
Estava indo tudo bem. Mas o horário começou a apertar e entramos em alerta. No limite do ‘tudo certo’ e já abrindo a porta do carro, veio a descoberta: O cinco. Esquecemos o cinco.
Era uma escultura do número em questão. Papel machê ainda molhado. Atividade de casa.
Ela esperou nas escadas enquanto completei o percurso até o terceiro andar.
De volta, o carro não respondeu aos comandos da chave.
Mortinho da silva.
Nos olhamos desoladas.
Tínhamos conseguido sair de casa. Tínhamos o cinco em mãos. Mas já não havia meio de locomoção.
Ela esperou nas escadas enquanto completei o percurso até o terceiro andar.
Pegar a chave de outro carro.
De volta, o ponteiro da gasolina não se movimentou.
Mortinho da silva.
O tanque.
Passamos no posto e seguimos até a correria que nos fez entrar na escola.
O porteiro apontou os degraus - lugar onde devíamos sentar e esperar. As portas das salas só voltariam a se abrir aos retardatários às 8h.
Contestei - para minha surpresa - o impedimento.
“Passamos por cobras e lagartos para chegar”.
"Então, vai lá e olha".
Encontramos a professora segurando o trinco e iniciando o movimento que nos deixaria fora. Deu tempo. Foi por um triz.
Recebeu o cinco com euforia.
As crianças tinham feito trabalhos lindos.
Filha em sala.
O que viera antes estava apagado.
Agora era continuidade do dia.
De sorte.