Casais recém-apaixonados gostam de compartilhar sua vida. Preferências. Gostares. Parentes. Lugares.
As promessas apontam o futuro e servem como prova de que tudo será como antes. Do fim ao começo.
Nos diálogos novatos são comuns expressões como: “Você vai ver”. “Você vai conhecer”. “Vou te levar lá”.
Frases curtas. Poderosas. Deixam um rastro de continuidade. Apontam confiança. Abrem o portal do seguir juntos. Mãos dadas. Folhas em branco. Nanquim. Bico de pena. Suavidade no que está por vir.
Em outras relações afetivas também se dá algo parecido.
É coisa do gostar essa de não guardar o belo para si. De buscar dividi-lo com os próximos.
Deve ter sido por isso que minha amiga achou imprescindível que eu conhecesse a padaria artesanal que virou sua preferida.
A minha estreia contei aqui. Fui aconselhada por uma atendente a não pedir o café expresso tão desejado.
Onde eu pretendia bebê-lo? Não havia mesa disponível. Ao contrário dos pedidos anteriores, excessivos. Ia demorar muito. Melhor que eu fosse embora.
Fui. Sem mágoa.
Sequer tive o ímpeto de questioná-la. Isso porque fiquei em estado de choque com a atitude, devo confessar.
Fiz uma redução de danos. Levei a famosa baguete de pimenta rosa. Coei um café no filtro Melitta. Nos domínios da minha casa. Onde havia mesa e cadeiras suficientes para que eu relaxasse no final da tarde.
A amiga insistiu. Eu deveria voltar. De preferência, em um sábado. Sentar sem pressa e ficar por lá por um bom tempo. Assistindo a vida acontecer enquanto protagonizava um singelo capítulo da minha própria vida.
Ela só não encontrava agenda. Queria estar junto. No próximo viajaria. No outro faria mudança.
Pois foi num início de manhã de uma terça-feira que ela decidiu cancelar o que estava planejado. Ir ao banco, caminhar na quadra, trabalhar.
E me chamou. Antes de chegar ao trabalho. Sem demora. O lugar ainda não estava aberto. Mas logo a magia aconteceria.
Pela antecipação conseguimos sentar no que ela chama de ‘praia’. Cadeiras confortáveis e charmosas, de madeira e assento de tecido, dispostas na calçada, beirando um jardim bem cuidado e com vistas para um mar de janelas da quadra residencial.
Admirava tudo. Ainda no ritmo errado. De rotina. Cansaço. Correria. Sentindo-me encurralada pela vida.
Parecia cena de desenho animado em que o vilão-mocinho fica preso pelo macacão, mas não percebe. Continua movimentado as pernas e acreditando que corre. Sem sair do lugar.
Logo a nossa profusão de palavras deu lugar ao silêncio.
Ao lado da outra, entramos em uma sintonia individual ao deixar que aquele momento adentrasse em nós e realizasse seu milagre. O de fazer desacelerar. O de limpar os resíduos do ritmo errado.
Apaziguar os batimentos cardíacos e nos colocar no caminho ideal para começar mais um dia com otimismo. Crença no bom e no belo.
Ouvimos o estalar da massa crocante na boca.
Paramos para ver o sabor passar – como se aquela banda tocasse pra gente.
Refeitas, pode crer, saímos como se em transe. Pelo poder de uma coisa simples.
Pelos efeitos da contemplação. Da mudança de perspectiva. Do caminho desviado.
Acertado.
Não é à toa que Castália, na mitologia grega, era uma ninfa aquática. Inspirava o dom poético em quem bebesse de sua água (me diz o Google).
Minha amiga quis saber.
Pão vicia?
Reprodução: Michael Melo/Metrópoles