Uma vez uma colega de trabalho causou uma pequena revolução na casa do Lago Sul onde funcionava a empresa que nos contratava. Tudo para salvar um pássaro, gaiato no navio, que se debatia nas paredes de vidro em busca de saída.
Por mim, aquilo não teria sido enxergado. Muito menos como problema. Ou como um fato que precisaria de intervenção. De um olhar cuidadoso de quem estivesse disposto a colocar a mão na massa para ajudar. Mesmo que o ser vitimizado se tratasse de uma ave. Ou por isso mesmo.
Uma equipe se reuniu para pensar em como mostrar o caminho de casa à Dorothy de penas. Tentativas frustradas quase desanimaram o grupo quando veio a ideia redentora. Usar uma rede que, no caso, se tratou de um lençol grosso, lançado sobre a espécie até que fosse capturada e devolvida à natureza.
A normalidade voltou. Ninguém foi alçado à condição de herói. Mas me questionei e o faço até hoje por que não me senti mobilizada pela questão.
Voltei a pensar no assunto após a morte de meu irmão Raniere, quando fomos mergulhados em homilias e sermões e mensagens e conversas abordando o valor de semear, de multiplicar os dons, de cumprir propósitos e missões.
Ao buscar uma frase que o representasse para estampar a camisa que fizemos em sua homenagem/memória, minha irmã lembrou de algo que ele tinha dito ou escrito pouco antes da partida.
“Amar, perdoar, servir. Viver com alegria”.
Amar, perdoar, servir também era o que meus pais pregavam e, mais que isso, faziam e fizeram a vida toda. Exemplo que nos educou.
Mamãe que tinha o hábito de dizer que não havíamos “puxado a ela” em várias características, nem imaginava que essa era a que mais me doía pelo fato de não a ter herdado.
Entendia que algo daquela intensidade não se aprendia. Não se ensinava. Era atávico. Intrínseco. Ou você tinha ou não tinha.
Passei a observar o meu comportamento. O que me movia a ser solidária. Atenta. Disponível.
Passei a perguntar a pessoas predestinadas a fazer o bem entrevistadas por mim. “O que move você? Não tem medo de estar sendo enganada”? – Tenho. Mas não penso nisso, me disse uma delas. “Se a gente pensar, não faz”, completou.
Mais uma frase para decifrar o enigma. Talvez não seja só pelo outro. Mais por nós mesmos. Fidelidade a uma necessidade atávica. Intrínseca. Podemos nascer com ela. Mas podemos assimilá-la ao longo da vida. Admitir isso alterava meu padrão de pensamento.
Sinto mudanças ocorrendo em mim. Estou feliz por elas.
Percebi, de forma natural, me sentir mais conectada às pessoas e suas necessidades.
Resultado disso é constatar que há sempre alguém por perto precisando de algo. Ajuda boba. Pequena. Daquelas que é capaz de não enxergamos. Como aconteceu comigo no caso do passarinho.
Podia dar exemplos. Mas vou deixar que a leitora ou o leitor perceba as suas próprias experiências.
Olho vivo. Coração aberto.