NOSSA SENHORA DO EIXÃO
Cruzei o Eixão Norte - de bicicleta.
Comecei enchendo os pneus no posto de gasolina habitual.
O frentista me reconheceu e perguntou se eu tinha trocado o meio de transporte.
Disse que sim. Para economizar gasolina.
Expliquei que não sabia quanto colocar de ar. Que era iniciante, na verdade.
Ele me desejou boa sorte e muito cuidado.
Eu achava que precisava mesmo. Mas já tinha feito um pacto com o anjo da guarda.
E com Nossa Senhora do Eixão.
Deu certo.
Foi um passeio maravilhoso.
Cheio daquelas cenas comoventes. Intrigantes. Hilárias. Flagras do Eixão. Aos domingos.
Crianças aprendendo. Tantas coisas. Andar de patins. Skate. Bicicleta.
A mãe empurrando um tecnológico e colorido triciclo. E a pequena que quis mesmo ir no chão. Rejeitando as rodas. Optando pelos pés.
A cachorrinha que anseia em ser mais veloz que os corredores.
O pai cuidando de dois ou três no chão e um na garupa. E respondeu com um ‘maneiro’ quando a filha disse: Olha que legal!
Ele não tinha olhado.
Eu sim.
A menina tinha os pés longe dos pedais. Erguidos. Como boa aventureira.
Sorri com sua habilidade. E coragem.
Montagem dos piqueniques.
Oficina – oferecida em cangas e almofadas – de pensamento visual. Ou algo assim.
Engraçados trechos de conversas.
- Aí você fez o quê?
- Virei ela e peguei na barriguinha...
Fiquei curiosa. Mas perdi o fim da história.
- As pessoas estão aproveitando o Eixão pra fazer todo tipo de comércio.
Essa nem teve resposta.
O interlocutor deve ter pensado no motivo da reclamação.
Eu também.
Era bom poder tomar água de coco, alugar bicicleta e triciclo, fazer quick massage, ter aulas variadas, oferecer às crianças gigantes infláveis (se bem que achei bem mais interessante o trio de pequenos que brincava na grama ao estilo ‘vamos passear na floresta’), comprar bijuterias e outros badulaques.
Que mal haveria de ter.
Mas ainda ouvi, trazidos pelo vento, argumentos sobre pagamento de impostos, lucros e o perigo de vendedores ambulantes naquela parte da cidade. Aos domingos.
Têm as pessoas que não se contentam em ouvir música nos fones. Carregam autofalantes e distribuem música ladeira acima.
Quis seguir a dupla de bike que me embalou com o seu Get up, stand up.
Ela foi mais rápida.
Por sorte surgiram outras opções.
Como música clássica.
Ou ópera.
Já no calor em que se transformou a geleira das últimas semanas – a juventude dava o ar de sua graça. Em grupo. Em bando. Em turma. Vestindo preto.
Para alguma atividade que não consegui descobrir antes de seguir ladeira abaixo.
Passando por baixo dos viadutos da parte mais central da cidade louvei (e agradeci) a cada artista de rua. Militante. Poeta. Grafiteiro.
Mensagens que, no dia a dia, podem nem ser captadas. Mas no domingo no Eixão fazem todo o sentido.
Criam outros.
Apontam respostas. Inspiram.
Percebi na minha experiência uma metáfora da vida. Também colocada na carta A Roda da Fortuna, do tarô. Ou no budismo.
Tudo muda. Tudo é impermanência. Tempos difíceis são seguidos do seu contrário.
As subidas foram encaradas como desafio do qual não ousei desistir.
Confiança. Calma. Controle da respiração. E o ritmo possível. Devagar quase parando.
Indo.
A recompensa veio em todas as descidas em que não pedalei.
Viajei.
Apenas.
Foto: Lula Marques/ Agência PT
