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SÓLIDOS E (AMORES) LÍQUIDOS

Eu e uma amiga gostamos de falar de pão.

De espaços novos na cidade dedicados a essa arte.

A experimentar não só os produtos, mas o lugar em si.

A minha amiga gosta de passar as tardes por lá, conectada, trabalhando e beliscando coisas gostosas.

Somos caçadora de pães.

Cada uma que tenta ser a primeira a anunciar uma descoberta. Ou a fazer a descoberta.

Cada lugar tem uma receita da minha preferência e eu gosto de desfiar a lista.

Mas tenho um empecilho que é não gostar muito de variar. Em uma delas, a até aqui mais querida (para as baguetes), Boutique Francesa, quase nunca provei outra coisa.

Minha amiga arrisca mais. Apesar de ter também sua lista de favoritos.

Ponto para ela.

Por semanas, foi a única de nós a conhecer a Castália.

Pelo menos não se furtou a compartilhar a informação sobre sua existência.

E mais ela me dizia que tinha ido lá, mas eu ficava com vontade de conhecer.

Por fim, com uns quinze minutos que eu tinha entre um compromisso e outro, resolvi fazer a empreitada.

E foi um atravessar a cidade, um enfrentar de trânsito, uma busca danada para estacionar, um procurar o bloco e a loja.

Cheguei. Apressada. Um lugar pequeno, poucas mesas, umas cadeiras mais confortáveis no gramado. Do lado oficial, lotação esgotada.

Dei uma olhada na decoração, nos tipos de pães e terminei por seguir os preferidos da minha amiga.

E pedi um café. O que foi meu erro.

Fui recebida com uma resposta/pergunta abrupta e assustada:

- Onde você vai beber o café?

Olhei ao redor, confirmei que não havia disponibilidade de mesa ou cadeira e respondi:

- Em qualquer lugar. Em pé, por aqui.

- Então, é para viagem, né?

- É... pode ser...

- Melhor você não pedir. Tem muita gente na frente.

- Ah, tudo bem. Se vocês estão dispensando clientes...

- Quem avisa, amigo é. Tá demorando muito. É sério.

Mais uma vez fiquei sem saber o que pensar da cena, das palavras, da recepção a uma estreante que tinha lutado para estar ali.

Devemos aceitar tudo de espíritos descolados e jovens empreendedores?

As regras do bem-viver comerciais mudaram tanto assim?

Seria eu um dinossauro errante e em extinção levando topada a cada dia de espécies contemporâneas?

Reconheci que, com tanta demora prometida, a sinceridade me ajudava a ir embora em tempo hábil para a próxima parada.

E saí, senão satisfeita, conformada.

Quanto aos produtos que consegui adquirir – os pães – eles sim, valeram cada gole não tomado do café que me negaram.

Comi quase tudo sozinha.

Feliz.

Em regozijo.

E até sofrendo um pouco pela troca instantânea de preferência – a minha baguete do coração agora mudava de criador.

Se o homem que fala dos amores líquidos estiver mesmo certo, essa teoria se aplica também ao sentimento pelos pães.


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