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SAUDADE DOS PREGÕES

Quem não guarda um pregão favorito na memória?

Daqueles que os vendedores ambulantes ou prestadores de serviço gritam ou gritavam nas nossas portas – tão eficientes e, por vezes tão irritantes, que podem nunca ter servido para que caíssemos no apelo publicitário – mas certamente serviram para grudar na nossa mente e até na memória afetiva.

Dorival Caymmi, em A Preta do Acarajé, fala dos pregões dos vendedores que passavam a partir das 22h nas ruas de Salvador.

Nela repete um, também muito bem interpretado por Ná Ozzeti quando gravou Balangandãs, com músicas do repertório de Carmem Miranda. “Ieiiii...Ô abará...Vem comprar, tá quentinho”...

Eu acho lindos os pregões.

Mais os que estão nas canções de Caymmi e em outras, como Vendedor de Caranguejo (Gordurinha) e Vendedor de Bananas (Jorge Bem Jor), do que os que pude ouvir pessoalmente.

Carrego dos pregões aquela nostalgia difícil de explicar – porque se refere a coisas que nem vivemos.

Lamento que os vendedores de rua estejam diminuindo.

Na minha infância, havia o homem que gritava para anunciar o algodão doce. Lá no bairro da Prata, quando eu saia da aula de inglês e ficava esperando resgate sob os cuidados de Dona Lindalva, prima de mamãe e que cuidou, de um jeito ou de outro, de todos nós.

O algodão não vinha em saquinhos. Era daqueles vendidos em pedaços, embalados em papel grosso, de embrulho. Empurrado em carrinho próprio onde a gente podia acompanhar, com olhos arregalados e a boca cheia d’água, o açúcar derretido virar fios que, superpostos, se transformavam na porção pela qual pagávamos.

O meu único pregoeiro de coração passava na rua alheia porque lá no Alto do Bodocongó, onde morávamos, não iam vendedores. Éramos poucos na vizinhança – qualquer suposta venda não devia valer o suor derramado na subida da ladeira.

Só uma criatura batia na nossa janela. Não para oferecer um produto. Mas para cobrar a conta deixada pendurada pelo meu irmão para as compras já efetivadas. O produto era o famoso puxa.

Um doce em formato de cone, especialista em grudar na gengiva e quebrar obturações ou dentes maciços mesmo.

Quando o homem aparecia - não havia periodicidade definida – não nos limitávamos a pagar a conta. Mas a tornávamos maior porque a despeito dos riscos oferecidos à saúde bucal, era difícil resistir ao doce tão pitoresco.

Hoje, em Brasília, o pregão que mais escuto vem dos vendedores de gás.

Em muitos lugares, com os botijões substituídos por encanamento, já nem eles passam gritando.

Outro pregão comum é o que sai das caixas de som precárias do vendedor de pamonhas. Ele circula em um carro também capengando e, devagar, vai cumprindo sua missão.

Assim como faz o vendedor de frutas, trepado em um caminhão estilo pau de arara e o recém-descoberto vendedor de pão de queijo mineiro congelado.

Se eu nunca fui cliente deles não importa. Gosto de ouvi-los e de saber que existem.

Por outro lado, fiquei intrigada com o último amolador de alicates que vi passando.

Era silencioso. Tinha uma placa grudada no carrinho informando sobre sua surdez. Acho que isso vai contra as necessidades do ofício dele. Mas tudo bem. O homem está trabalhando.


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