De novo meu café para viagem foi degustado em terra firme.
E a pressa que me fez pedi-lo em embalagem descartável, justo no único lugar que havia encontrado com o copo adequado, se transformou em uma paciência surpreendente.
O tempo parou enquanto o moço, muito solícito, retirou de uma portinha do armário uma caixa cheia de peças desconexas que ele testou, praticamente uma a uma, procurando o encaixe perfeito entre copo e tampa.
Para minha surpresa, não esbravejei, não reclamei, não julguei o serviço como aquém do desejado.
Observei a agilidade de suas mãos, tentando combinações impossíveis mesmo a olho nu.
Tampas grandes, copos pequenos. Copos pequenos, tampas grandes. Tampas e copos aparentemente iguais, mas que não se juntavam completamente.
Ele não desistia.
Chegou a pedir um tempo. Ia descer até o estoque para buscar a solução. Julgou que encontraria por lá o que resolveria nosso impasse.
Tentei impedi-lo. O café iria esfriar enquanto durasse o trajeto. Mas, previdente, ele não tinha ligado a máquina ainda.
Voltou dizendo que não chegou a procurar as embalagens. Havia uma reunião de equipe e sequer permitiram a sua entrada no lugar.
Eu já não sabia quanto tempo tinha passado.
Continuava impassível diante do que parecia ser uma pantomima. A essas alturas já sabia a disposição, os preços e as marcas de todos os produtos expostos na loja de conveniência.
Já tinha feito as contas da fortuna contida nas frigideiras da cozinha do fast food anexo. Todas pareciam, de mais ou menos longe, ser Le Creuset.
Já tinha observado o padeiro da sanduicheria começar a colocar as bandejas de massa crua no forno. Mais um tempinho e teríamos o inconfundível cheiro de pão quente reforçando que era início de manhã.
Já tinha estado em Campina Grande, passado pela casa dos meus pais e revisto Manoel Barbosa comprando o seu jornal matinal. Não passava sem ele. E tinha que recebê-lo bem cedo. Se não, dizia, não fazia sentido.
Não faria de qualquer jeito, acreditávamos. Ele já ouvira todo o noticiário desde a madrugada pelas ondas do rádio.
Precisava do papel, no entanto. Para se juntar à mamãe na cozinha, ler tudo para ela e exigir a discussão das atualidades.
Por vezes, diante de certo desdém, reclamava que ela tinha o hábito de não ler. Nadinha que fosse. Ela não se importava com a reprimenda.
Isso tudo porque entrou a senhora esbelta e de certa elegância, apesar de sua explícita provável desnutrição, com seu maço de jornais embaixo do braço.
Ofereceu-me o produto. Eu recusei. Ela insistiu. Era o Correio. O melhor, o mais antigo, o mais completo. Também tinha o de Brasília.
Eu recusei de novo. No meu trabalho tem. Era minha mentira. Podia ter dado uma força a ela, pensei. Mas eu só tinha cartão.
A mulher saiu ressabiada.
Observei quando encostou na janela do carro que abastecia. Imaginei que repetia a ladainha que eu ouvira um pouco antes.
Decidi ressuscitar minha pressa.
Moço, me dê o café assim mesmo.
Eu não poderia seguir com ele, como desejava.
Então, encostei no carro e bebi alguns goles, derramando numa plantinha o que sobrara.
Olhei para o relógio.
Havia passado vinte minutos por lá.