O nome dele é Delícia.
Bom, não que seja o nome oficial, de batismo. É apelido. Tem toda cara de ser.
Mas não me pergunte pelo nome real. Eu mesma quando fiz a pergunta que selou nossa apresentação, ouvi a resposta acima.
E adorei.
Pensei que ele não poderia ser chamado de outra coisa.
Com aquele sorriso, aquela cara de gente boa e divertida, aquela facilidade em viver, aquela profusão de histórias para contar, só poderia ser chamado assim.
Trabalhava no aeroporto. Mas nunca ganhou o suficiente para lidar com o avião a não ser pela capacidade de enxergá-lo, ouvi-lo e de pescar o depoimento de estreantes ainda lívidos pelo medo do primeiro contato com o pássaro de aço.
Trabalhava no aeroporto.
Mas o que sabia dos aviões era o que via na televisão. Tantas poltronas. Tanto luxo. Tanta tecnologia. Tantos funcionários tratando os homens voadores a pão de ló.Trabalhava no aeroporto e muito por isso era uma afronta que nunca tivesse feito uma viagem por vias aéreas.
Sua filha, pelo menos, achava isso. E deu o ultimato. Queria andar de avião. Isso foi até um favor para ele, que sempre quis a mesma coisa, mas que, não fosse pelos caprichos e persuasões infantis, jamais tomaria a decisão de tentar realizar a empreitada.
Delícia criou coragem. Conhecia o piloto e foi falar com ele – que nunca voou, que queria tanto, se ele poderia realizar aquele sonho, acabar com aquela pendência.
Ouviu que sim.
Sorriu.
Lembrou da razão principal da súbita necessidade.
Podia levar a filha?
Ouviu que sim.
Podia levar a esposa?
Mas é claro.
No dia e hora marcados, a família estava lá. Roupa de domingo. Sorriso escancarado. Coração batendo forte.
A mulher não realizou o intento. Desistiu de última hora. Não conseguiu vencer a barreira do medo.Ficou em terra firme.
Delícia e sua pequena, seis anos, atravessaram a pista com passos decididos.Entreolhavam-se satisfeitos e resolutos.Era hora de mudar de perspectiva. De viver emoções novas. De entrar no céu. Tocar as nuvens.
Hora de agigantarem-se diante de um mundo todo pequenino lá embaixo.
A viagem aconteceu. Foi rápida, mas decente.
Ele se sentia um homem mais completo. Um pai de palavra.
A filha, no entanto, não gostou.
Mal desceu da aeronave, fez suas cobranças. Onde estava o resto do avião? As poltronas? Os corredores intermináveis? As aeromoças? O serviço de bordo? A longa viagem que os levariam a outras paragens?
Delícia foi firme. Não se deixou abater. Tinham voado. E esse era o prometido. Se o avião em que conseguira, de graça, o sobrevoo, era uma coisinha de nada, feita para cinco passageiros, isso era outra história.