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A CARNE É FRACA

Era a promessa.

Ver o céu de São Paulo sob o vidro de um restaurante sofisticado. Lá na Brigadeiro.

Cena romântica. Reencontro. A arquitetura sofisticada e ostensiva daquela terra.

Mas para quem mora no Rio de Janeiro é preciso mais do que o apelo de ver a natureza envidraçada para que se consolide um cenário favorável ao amor.

Entre taças incontáveis de champanhe, conversas, discussões, brigas e brincadeiras, brincadeiras e brigas, chegou o cansaço. Cansara do embate. De ter que provar algo. De ter que fingir as verdades que sentia.

Veia a decisão intempestiva: deixaria o lugar.

Não apenas mudando de endereço, voltando ao hotel. Mas mudaria de cidade, com o aceno para um táxi e a frase decidida: Aeroporto.

Conseguiu trocar o voo, embarcar e adormecer profundamente sob os efeitos da dosagem excessiva de álcool.

Não estivesse tão elegante, apesar de cara de trôpego e do hálito ardente, seria desacreditado e deportado no seu próprio país. Pé na bunda para fora daquele ambiente familiar.

Mas deu certo. Já na poltrona não passou acordado mais do que alguns segundos, minutos, talvez.

Acordou aos solavancos. Era já Rio de Janeiro. Que descesse do avião e tomasse (outro) rumo.

Novo táxi. Botafogo, por favor.

Sem malas. Sem lenço. Por sorte, com documento.

Na porta de casa, procurou a chave na mala.

Não havia sequer mala.

Havia sido largada no hotel e mais algum tempo chegaria em suas mãos – intacta.

Sem conseguir entrar pelas vias normais, chamou um profissional da área.

O chaveiro perguntou o que fazer. A ordem era clara embora difícil de ser levada a sério.

Arrombe.

O chaveiro até topava o malfeito.

Mas perguntou antes pelo seu pagameto.

Ele jurou honrar a dívida recém- adquirida.

Mas que viesse depois. Outro dia. Dias depois, na verdade.

Precisava se recompor. Dormir. Acordar.

Assim se fez.

O chaveiro já não tinha fé de receber o prometido.

Voltou mais três vezes - em vão.

Só viu a cor do dinheiro quando foi convidado a voltar lá. Agora não era mais promessa.

Era dívida. E honrada. Paga. Com o suor daquele corpo protegido por corte Armani.

Mas tudo isso só seria racionalizado mais de vinte e quatro horas depois. Quando acordou. Depois que dormiu.

Abriu os olhos e demorou a recobrar os sentidos e a entender o que acontecera.

A última vez em que se enxergava estava na ‘terra da garoa’.

Agora, com um olhar mais acurado, reconhecia suas paredes e tetos. Sua vista e o cheiro do seu apartamento.

O telefone tocou.

A noite foi ótima. Jurou.

Mas precisava voltar aos ares cariocas.

E sob a proteção do Cristo, fazer a célebre jura: Beber daquele jeito, nunca mais.

Promessa que seria quebrada.

Como se sabe, a memória é fraca. Assim como a carne.


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