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AS COISAS NÃO PRECISAM DE VOCÊ


Era 2010.

Naquele ano me tornei fã do escritor gaúcho Fabrício Carpinejar. Na verdade, foi o ano em que o conheci.

Naquele ano ganhei o livro Mulher Perdigueira. Presente por ter feito minha filha nascer, por ter finalmente me tornado mãe após carregar no ventre, por 38 semanas, a menininha que deu as caras no dia em que ganhei o livro.

Achei chique ser presenteada ao dar à luz mais um ser humano. Até ali, todos os mimos chegavam mesmo era para ela, ainda bem antes que deixasse o porto seguro de estar hospedada no meu corpo.

O livro permaneceu entre peitos, panos e fraldas por muitos meses. Era meu refúgio, minha prova de que era alguém com outras possibilidades a não ser garantir a sobrevivência de um bichinho humano frágil.

Não que eu conseguisse avançar na leitura. Mas havia um simbolismo forte na presença daquela obra – sempre à espreita, sempre à espera. Com seu silêncio alentador e solidário. Estava sempre por perto. Como uma promessa.

Era o alvo de meus olhares e desejos. Seria a próxima coisa a ser feita. Umas páginas a mais e eu já não estaria no mesmo não-lugar onde me mantinha ao sequer folhear o objeto.

O livro permaneceu marcado e inconcluso até recentemente, embora tenha me dado essa sensação de aproximação com seu autor. Foi o único dele com que lidei até hoje.

Gostava de citá-lo, de considerar que o conhecia.

Fiquei com esse gostar e falsa intimidade intocados até agora, 2017.

Engraçada essa necessidade de familiaridade. Não aceitamos não conhecer alguém, não gostamos de desconhecer detalhes. Nos apegamos a qualquer naco ou nesga de contato para fazer disso uma grande história.

Acontece muito com quem morre. Não cai bem não ter tido nenhuma relação com o falecido. Se for artista, então, a exigência aumenta. Se for músico, pessoa pública, nem se fala.

Resgatamos a experiência de ter visto a pessoa há quinze anos, entrando em um restaurante ou de termos acenado para ela ou termos tido um vizinho que era amigo da sua prima. O que não basta. Aí, fingimos memória para descrever roupas, gestos, aparências e suposto estado de espirito, no átimo de encontro que tivemos com ela.

Era 2010.

Desde então, quase não vi ou li Carpinejar. Mas era como se fizesse isso todo dia, só pelo fato de ter Mulher Perdigueira na estante, marcado do meio para o fim.

Interessada em crônica, voltei à publicação. Foi então que Carpinejar desceu do pódio, perdeu as medalhas. Saiu do trono, perdeu a majestade.

Suas palavras estavam desmascaradas agora.

Ele, que falava tanto em relacionamentos, em namoradas, esposas, ex, futuras. Em sexo, em brigas e reconciliação, já não me dizia mais – nem sobre ilusão, nem sobre beleza.

O mistério esvaecera.

Eu estava dura e amarga.

A vida estava nua e crua para mim. Eu mesma já experimentara o que ele dizia viver. Anverso e reverso. Sem nem aquela poesia da prosa. Sem açúcar.

Ah, não me venha com palavras, Carpinejar.

Eu já sei onde o sapato aperta.

As coisas não precisam de você.


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