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A SAUDADE É DOR PUNGENTE

As atitudes de gentileza se tornam ainda mais elas mesmas quando são respostas a um olhar atento de alguém para algum sinal emitido – com ou sem nossa anuência.

Eu não havia permitido que caíssem copiosas lágrimas sobre meu rosto. Mas elas ignoraram minha não chancela, o lugar inapropriado, o meu sorriso anterior e, simplesmente vieram.

Com força, com dor, com profundidade, com gemido, com saudade, com incredulidade.

Acabara de ler uma mensagem de meu irmão Ricardo, no grupo da família, dando conta de que vivera, minutos antes, dor semelhante ou pior, a que me assaltara ao ler suas palavras.

Coube a ele ir buscar a carteira de nosso irmão, Raniere, junto às autoridades que haviam ficado com o objeto desde o acidente fatal e brutal que levou sua vida e parte da nossa na noite do dia 15 de outubro de 2014.

Ricardo espalhou o que havia dentro e fez o registro fotográfico que nos enviou. Havia cartões de banco, jogos de loteria, algum dinheiro e um folhetinho de Santo Expedito, padroeiro dos viajantes, dos estudantes e dos militares. Santo das causas Justas e Urgentes.

Foi então que desabei em choro. De repente, Raniere estava tão perto e era tão explícita a sua ausência, gritada naqueles outrora documentos.

Há muito eu não sentia sua morte de forma tão lancinante, tão viva, afinal. Hoje mesmo, mais cedo, eu havia lembrado dele. Refeito todo o percurso dos dias que antecederam e dos que sucederam a sua partida.

Tempos em que vivemos algo indescritível e inédito. Tempos em que nossas existências foram modificadas para sempre. Tempos de belezas, como a solidariedade contundente que recebemos. Mas sobretudo tempos em que a morte se apresentou e nos levou a débil certeza de que nunca haveria ausências entre nós.

No dia em que Raniere foi velado minha irmã Vitória me pediu uma foto do seu corpo. Ela não estava na cidade, muito menos no país. Demoraria ainda para fazer a viagem de volta que a traria a um lugar em que não havia retorno. Só o que havia ficado para trás. Só o nosso passado. Só as nossas lembranças.

Frequentemente recorro àquela imagem, ainda que mentalmente, para me forçar a acreditar no que aconteceu. Depois, busco uma em que meu irmão ainda preso às ferragens escancara a realidade de seu fim. A cena foi registrada por uma “profissional” da rede de saúde que, ao ser chamada para o socorro, tratou de fotografá-lo morto e de espalhar o feito antiético por celulares de toda a cidade.

Estava ainda imersa nessa grande dor, quando uma jovem colega de trabalho me entregou um saquinho. “Ó, chocolate é bom nessas horas”.

Era mesmo. Mas era melhor ainda recebê-lo como uma demonstração de cuidado e atenção.

As atitudes de gentileza se tornam ainda mais elas mesmas quando são respostas a um olhar atento de alguém para algum sinal emitido.

Eu agradeço.

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