Tudo indicava que viver nunca havia sido tão difícil.
Era incrível o número de novos profissionais e de serviços dedicados a ensinar as coisas da vida a quem quisesse aprender. E tivesse dinheiro suficiente.
É que as pessoas não têm mais tempo. E se tem tempo não conseguem torná-lo de qualidade. E se a qualidade é possível porque elas têm tempo e dinheiro, não têm amigos, nem amores, nem amantes. Estão na solidão.
E se elas estão na solidão é que devem estar com a autoestima baixa. E isso oferece o perigo de incorrerem em um relacionamento abusivo sem nem perceber.
Isso as tornaria isoladas. Silenciosas. Perigava cair em depressão e tentar o suicídio. Mas atentar contra a própria vida não chegaria a acontecer porque diz-se que nas Redes Sociais muita gente tem colado, não compartilhado, em seus murais, que oferecem café, suco, água, flores, companhia e – o mais importante – ouvidos atentos a quem estivesse, nem que fosse de longe, pensando em cometer uma loucura.
Para a loucura, antes que se efetivasse, havia muitos tipos de terapia disponíveis. Desde as mais tradicionais até as ditas alternativas que ofereciam um mundo pleno e jamais imaginado, possível de se obter por meio do autoconhecimento, pela prática de coisas com nomes esquisitos e estrangeiros ou já aportuguesados.
Para esses, também era preciso ter bastante dinheiro. Pílulas de conhecimentos estavam disponíveis gratuitamente. Mas eram apenas pílulas. Partidas ao meio com uma faca de cozinha. Para obtê-las por completo e, portanto, para funcionar, era necessário deixar o e-mail, o telefone, participar da reunião, sapecar uma energia de troca de alta voltagem, intuir o valor justo para uma contribuição voluntária, enfiar no chapéu ou na caixinha umas notas valorosas.
Podia ser por transferência bancária. Melhor boleto – para pagar seguro. Cartão de crédito também podia. Mas o melhor era ser cash – isso dava direito a desconto. Tudo isso evitaria a loucura.
Mas caso a insanidade chegasse mesmo, ainda assim seria possível obter a cura pela natureza. Resultados inacreditáveis já foram obtidos.
Testou, tentou, funcionou, é hora de aproveitar a saúde e ocupar-se. Nada de ócio.
Hora de pedir ajuda de novo. Pode ser ao coach certificado por ilibadas instituições. Tem profissional para qualquer demanda. Não será difícil encontrar um certeiro. Porque, afinal, é hora de ser feliz, de entender que a felicidade é merecimento. Mas não se chega a essa conclusão assim. O caminho é um tanto longo e árduo. Há que se desprogramar até o DNA, que nunca aceitou um caminho de amenidades. Há que se fazer um demorado tratamento, uma limpeza profunda. Pelas mãos ou máquinas de gente muito preparada.
Para o resultado ser efetivo, o ideal seria entregar-se às técnicas de meditação. Há muitas. Uma boa escolha é fundamental. Pode ser transcendental, em silêncio, em pé, sentado, em grupo, individualmente, deitado, pode ser por cinco minutos ou uma hora. Importante é não começar o dia sem isso.
Ouvir-se é fundamental. Aquietar o pensamento. Deixá-lo ir. Viver o presente. É o que temos. Passado, não. Futuro ainda não.
Se tudo correr bem, troque o aparelho de celular. Agora é hora de ter mais memória. Para fotografar e filmar a vida que não se vive porque, apesar da profusão, ainda não há um aplicativo infalível para isso.